Por Notas & Informações
A década de 20 está sendo particularmente disruptiva na história humana. A crise pandêmica, acoplada com a guerra na Europa, resulta em uma confluência de vulnerabilidades socioeconômicas e tensões geopolíticas. Nesse cenário, em preparação para a cúpula anual de Davos, o Fórum Econômico Mundial mobilizou mais de 1.200 analistas de risco e especialistas da academia, negócios, governos e sociedade civil para avaliar, em seu Relatório de Riscos Globais, as atuais crises e os desafios a curto e médio prazos.
Em plena turbulência, o mundo parece estar no modo “sobrevivência”, com o foco canalizado no custo de vida, na polarização política e social, no fornecimento de energia e comida, no crescimento tíbio e em confrontos geopolíticos. Mas os choques relativamente inesperados da pandemia e da guerra atingiram uma geração já envolta em transformações aceleradas – como a da revolução digital –, cujos maiores desafios de longo prazo, como as mudanças climáticas, são os que ela está menos preparada para enfrentar.
Por isso, o Relatório fala em “um ano de policrises”, em que “os riscos estão mais interdependentes e reciprocamente danosos do que nunca”. O mundo enfrenta em 2023 uma série de riscos a um tempo “totalmente novos” e “espantosamente familiares”. Mazelas que pareciam controladas nesta geração – como inflação, crise do custo de vida, guerras comerciais, agitação social generalizada e até uma guerra nuclear – voltaram à cena. Os riscos são amplificados por desdobramentos relativamente novos, como níveis insustentáveis de dívida, uma nova era de baixo crescimento, baixo investimento e desglobalização, queda no desenvolvimento humano após décadas de progresso e a pressão das mudanças climáticas.
“As sequelas sanitárias e econômicas da pandemia rapidamente espiralaram em crises compostas”, diagnosticou a diretora da pesquisa, Saadia Zahidi. “As emissões de carbono se acentuaram, à medida que a economia global pós-pandêmica voltou a crescer. Comida e energia tornaram-se arsenais com a guerra na Ucrânia, impulsionando a inflação a níveis sem precedentes em décadas, globalizando a crise do custo de vida e abastecendo a ansiedade social. A mudança resultante na política monetária marca o fim de uma era econômica definida por acesso fácil a dívidas baratas e terá vastas ramificações para governos, empresas e indivíduos, ampliando a desigualdade dentro dos países e entre eles.”
Os entrevistados projetam alta volatilidade num futuro próximo, mas se mostram mais otimistas a longo prazo. Retomar os rumos do desenvolvimento sustentável, contudo, exigirá integrar táticas defensivas e fragmentárias a estratégias que fortaleçam a resiliência para riscos mais permanentes e estruturais. A inter-relação entre impactos circunstanciais e vulnerabilidades crônicas, entre danos imediatos e riscos futuros, cria um cenário particularmente temerário. Como em um organismo vivo, um remédio extraordinário para um órgão agudamente debilitado pode impactar negativamente outros; o foco exclusivo nas urgências presentes pode reduzir a resiliência para adversidades futuras.
O Fórum divisa quatro princípios para orientar a redução de riscos: fortalecer a identificação e previsão de riscos; recalibrar a avaliação atual de riscos “futuros”; investir em preparação multifatorial; e reconstruir a cooperação na preparação para riscos. Este último ponto é decisivo para alicerçar os demais. Não à toa, o tema da cúpula deste ano é “Cooperação em um Mundo Fragmentado”.
Em uma era de choques concorrentes, cresce a importância da cooperação em níveis setoriais, bilaterais e regionais – por exemplo, no compartilhamento de dados ou financiamentos coordenados. Ainda mais urgente é resistir à tendência das nações de se fecharem. Exceto em casos extraordinários, limites a exportações ou reservas de mercado tendem a estimular desintegração e desconfiança, precipitando uma cascata de crises. Em tempos excepcionais é preciso relembrar o óbvio: crises globais só podem ser superadas com solidariedade global.
https://www.estadao.com.br/opiniao/2023-e-suas-multiplas-crises/
Comentários