09 de dezembro, 2023

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Gestão da economia não pode ser engessada pela Constituição, diz Persio Arida

Coordenador do programa de Alckmin diz que governo precisa de flexibilidade

Coordenador do programa econômico do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), Persio Arida defende a retirada do texto da Constituição de artigos que tratam de impostos e obrigam o governo a destinar parte de suas receitas a educação e saúde.
Sua proposta é que dispositivos como esses sejam transferidos do texto constitucional para leis complementares, que podem ser alteradas com menor esforço político.
É necessário o apoio de 308 dos 513 integrantes da Câmara dos Deputados para mudar a Constituição. Para modificar uma lei complementar, bastam 257 votos na Câmara.
A mudança, diz Arida, daria ao próximo governo maior flexibilidade para administrar o Orçamento e abriria caminho para medidas de simplificação do sistema tributário.
Um dos formuladores do Plano Real, ele reconhece que as políticas do governo Michel Temer (MDB) contribuíram para recuperar a economia, mas afirma que a falta de legitimidade política do presidente impediu avanços maiores.
Segundo Arida, o programa de Alckmin deverá estabelecer metas para duplicar a renda nacional, tornar a economia mais aberta e melhorar o desempenho do país nos exames internacionais de avaliação do aprendizado nas escolas.

A lenta recuperação da economia enfraquecerá o discurso reformista na campanha presidencial?

Pelo contrário. A retomada é lenta, mas está ocorrendo, e em parte é resultado de reformas e boas políticas do atual governo.
A economia é movida a expectativas, e é natural que a preocupação com a eleição diminua a confiança. O desafio é transformar a recuperação cíclica num movimento estrutural, que leve a uma trajetória de crescimento mais consistente.

Como fazer isso?

A economia brasileira tem enorme dinamismo. Para destravá-la, vamos precisar de um presidente com ideias corretas, capacidade de negociação e experiência.
Dada a pulverização do sistema partidário, qualquer presidente será eleito com minoria no Legislativo e terá que usar bem o capital político inicial para fazer uma coalizão. Não uma coalizão de interesses escusos, mas uma coalizão programática, para governar.
A primeira precondição para um presidente à altura do que o Brasil precisa é ter experiência e capacidade de negociação política. Um outsider, sem essa experiência, terá muito mais dificuldade.
Precisamos criar condições para o investimento florescer. Não o investimento público, dada a nossa crise fiscal, mas o investimento privado, brasileiro e estrangeiro. Precisamos dar segurança jurídica aos contratos, ter regras adequadas e menos burocracia.

O presidente Michel Temer tinha as características que o sr. apontou e o mesmo discurso. Por que não conseguiu entregar o que prometeu?

Não estou aqui em defesa do governo Temer. Mas ele nunca foi um presidente eleito. Ou seja, não teve o capital político que um presidente eleito tem, e isso faz enorme diferença.
O que o atual governo conseguiu não foi pouco. Num período curto, saímos da recessão para retomar o crescimento, ainda que modesto. Houve avanços importantes no Banco Central e na Fazenda. Mas em outras áreas nada aconteceu.
E algumas são críticas para a retomada do crescimento. Nossos portos, por exemplo, são geridos de forma antiquada e ineficiente. Para fazer uma abertura comercial de relevo, o que seria bom para o país, precisamos de um gerenciamento moderno das Companhias Docas, para reduzir custos, ampliar capacidade e simplificar procedimentos alfandegários.

Qual deveria ser a prioridade na largada do próximo governo?

A reforma da Previdência é absolutamente necessária. A Previdência já absorve 64% das receitas do governo federal e o déficit continuará crescendo se nada for feito. Além disso, é uma questão de justiça social. A reforma necessária quebra privilégios dos mais ricos e preserva os mais pobres.

O que Alckmin vai propor?

Embora o governo Temer tenha fracassado nessa área, as negociações no Congresso deixaram claro os limites existentes. Não temos um esboço. É cedo para te falar.

O que mais será proposto?

Um aspecto muito importante, que estamos discutindo no partido, é a desconstitucionalização de alguns assuntos. Seria uma proposta de emenda que tiraria da Constituição alguns itens para deixá-los em leis complementares, sem mudar o mérito de nada.
Não vamos mexer no equilíbrio federativo, na forma de governo, nos direitos sociais, nas cláusulas pétreas. Mas a gestão econômica não pode ficar engessada pela Constituição. O mundo é dinâmico, e não dá para administrar gastos e tributos se precisar mexer na Constituição para fazer isso. Tem que ter flexibilidade.

A ideia seria retirar da Constituição dispositivos sobre impostos e os que vinculam receitas com saúde e educação?

Não quero dar detalhes. O sistema tributário e a destinação obrigatória de receitas para gastos em algumas áreas são dois exemplos. Mas eliminar vinculações não é o mesmo que deixar de gastar.
Prover educação básica e saúde gratuita são obrigações do Estado, mas é importante que os serviços sejam providos da forma mais eficiente possível.
Para o estudante, não importa quem construiu a escola. Para quem vai ao hospital, não importa se o médico é funcionário público ou trabalha para uma organização social contratada para gerir o hospital. O que as pessoas querem é ser bem atendidas.
O Brasil não gasta pouco em educação, mas os resultados em termos de aprendizado têm sido decepcionantes. Então, você precisa olhar para a qualidade do serviço e o resultado, submetendo os programas do governo a avaliações independentes e transparentes.
Uma coisa que queremos fazer nos pontos críticos do programa, e educação é um deles, é definir metas para o governo. Precisamos de uma meta de melhoria do desempenho do país em exames internacionais como o Pisa, que avalia o aprendizado em leitura, matemática e ciências.

Que outras áreas terão metas?
Duplicar a renda nacional seria outra. Não é algo possível de alcançar em um ou dois mandatos, mas faria o governo pensar no que fazer em cada área para chegar aí.

Também podemos fixar como meta um aumento drástico do coeficiente de abertura comercial, ou seja, a soma de exportações e importações, calculada sobre o PIB.
Sabemos que a abertura comercial contribui de forma decisiva para aumentar a produtividade. Como abrir? A que velocidade? Tem que ter uma meta para mostrar onde você quer estar daqui a quatro anos.
Ninguém vai anunciar aqui um grande programa de obras públicas. Não tem dinheiro. Mas precisamos aumentar o investimento privado em infraestrutura. Cabe ao Estado montar o marco regulatório, aumentar a segurança jurídica e definir as prioridades. Por que temos investimentos estrangeiros tão expressivos na exploração de petróleo, mas não em saneamento básico? Não é por que o capital estrangeiro gosta mais do pré-sal. Você tem empresas interessadas em tudo. Quando o saneamento tiver um marco regulatório adequado, teremos investimentos nessa área.

Como gerar crescimento num ambiente tão contaminado pela corrupção?

Sem combater a corrupção, você não consegue. A boa notícia é que tomamos maior consciência do problema com os escândalos dos últimos anos. E as coisas estão mudando, porque as pessoas passaram a ter medo da punição. Punir os intocáveis e incutir o medo de ser pego fazem muita diferença.

Como a situação financeira frágil do governo limitará a ação do próximo presidente?

Infelizmente, não estamos em condições de baixar a carga tributária. Podemos tentar simplificá-la, eliminar distorções e torná-la socialmente mais justa. Suprimir tributos como IPI, PIS-Cofins, ICMS e ISS e substitui-los por um Imposto sobre Valor Agregado reduziria muito o impacto da carga tributária e promoveria eficiência na economia.
Rever isenções tributárias também é importante. Os benefícios concedidos nos últimos anos não foram distribuídos de forma linear, mas para setores específicos. Se quisermos estimular a economia com a política fiscal, é melhor diminuir todos os impostos por igual. É mais fácil reverter depois, e você não beneficiará apenas os amigos do rei.

Aumentar impostos dos ricos é necessário para tornar o sistema tributário menos injusto?

Taxar grandes fortunas arrecada pouco. É mais eficiente acabar com o tratamento fiscal privilegiado concedido a instrumentos como a LCI [Letra de Crédito Imobiliário] e a LCA [Letra de Crédito do Agronegócio] e fundos de investimento exclusivos, que só beneficiam os mais ricos.

A queda dos juros ocorrerá naturalmente no mercado, ou o governo pode fazer algo para ela acontecer mais rapidamente?

O spread no Brasil é claramente uma anomalia. Quando você baixa a taxa básica de juros, é natural a demora para chegar na ponta. Mas há muito que pode ser feito do ponto de vista regulatório, não da forma voluntarista adotada no governo Dilma.
Medidas como o cadastro positivo dos devedores e outras que diminuam o risco de crédito, como uma lei de garantias e uma nova lei de falências, podem ajudar. A entrada de novas instituições de crédito no mercado, como fundos e fintechs, também.
Há impostos que encarecem a intermediação financeira, mas eles só poderão ser eliminados quando houver um ambiente suficientemente competitivo, e se você descobrir qual imposto poderá ser aumentado para substitui-los, porque não dá para diminuir a carga tributária.

A concentração do setor bancário é um problema?

Saberemos mais à frente. Precisamos criar primeiro condições para entrada de novos concorrentes, para depois ver se de fato o spread cairá com isso.

Aceitaria voltar para o governo como ministro da Fazenda?

Isso nem se coloca. Primeiro, alguém precisa ser eleito e alguém precisa me convidar. Depois a gente decide. Ricardo Balthazar Alexa Salomão FOLHA DE S.PAULO.

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