Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
Os bons resultados fiscais apresentados pelos Estados nos últimos anos estão muito próximos de serem revertidos, situação que parece distante das prioridades do gabinete de transição do governo eleito. Depois de apresentarem um superávit de R$ 64,8 bilhões em 2020 e de R$ 124,1 bilhões no ano passado, os Estados devem voltar a apresentar dificuldades para arcar com suas despesas em 2023, o que pode resultar em corte nos investimentos, salários atrasados para o funcionalismo público e redução na oferta e na qualidade de serviços de saúde e educação.
O jornal Valor revelou que os Estados devem registrar uma perda nominal de R$ 25,1 bilhões em receitas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) neste ano. O cálculo, que considera a arrecadação apurada entre julho e outubro e projetada para novembro e dezembro, é o resultado de duas leis complementares aprovadas pela Câmara e pelo Senado neste ano. As mudanças, que impuseram um teto e alteraram a base de incidência do tributo, têm caráter definitivo sobre aquela que é a maior fonte de arrecadação dos governos regionais e que incide sobre combustíveis, energia, comunicações e transportes.
Mesmo ciente desses efeitos, o governo Jair Bolsonaro apostou na popularidade eleitoral proporcionada pela redução nos preços dos combustíveis e nas faturas de energia e telecomunicações e investiu na descredibilização do discurso dos governadores. Para vencer as poucas resistências, o governo se comprometeu a compensar os Estados com perdas acima de 5%, mas somente em 2023 e após comparar a arrecadação de todo o ano de 2022 à de 2021.
O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) já havia estimado que o prejuízo alcançaria R$ 125 bilhões em 12 meses e, agora, instituições financeiras começam a respaldar as contas dos Estados. Como mostrou o Estadão, o Itaú estimou que os Estados terão de fazer um ajuste fiscal da ordem de R$ 70 bilhões para se adaptar às consequências das leis e manter as contas em dia. Se as receitas e despesas forem mantidas, os entes federativos deverão registrar um déficit de 0,7% na proporção do Produto Interno Bruto (PIB), após um provável superávit primário de 0,5% neste ano.
Não faz muito tempo que os Estados eram fonte de preocupação para o governo federal, o que mostra que o País nada aprendeu com os erros do passado. Do lado das receitas, situações atípicas e relacionadas à pandemia de covid-19 foram consideradas permanentes, entre elas o reforço das transferências da União, a proibição dos reajustes de salários de servidores e os efeitos da reabertura da economia e da inflação elevada. De caráter rígido e permanente, o custeio de despesas com saúde e educação pode ser fortemente comprometido, um aspecto que tem passado despercebido nas discussões dos necessários ajustes no Orçamento fictício de 2023 – sem contar o financiamento do piso nacional da enfermagem aprovado pelo Legislativo, uma discussão que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que, tudo indica, deve se estender ao longo do governo Lula.
Estados que acabaram de aderir a regimes de recuperação fiscal depois de anos de negociações com o Executivo federal já indicam a necessidade de ajustes. No Rio Grande do Sul, a previsão é de um déficit de R$ 3,7 bilhões em 2023; Minas Gerais, que registrou em 2021 o primeiro superávit em nove anos, prevê um déficit de R$ 3,5 bilhões. Não são os únicos casos.
O beligerante governo Bolsonaro parece ter esquecido que as dívidas assumidas pelos Estados contam com garantia da União e optou por ignorar a responsabilidade solidária que tem com os entes federados, sobretudo em se tratando de direitos fundamentais assegurados pela Constituição, como saúde e educação. Envolto nas negociações da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, o governo eleito, por sua vez, muito em breve será lembrado da importância do resgate do pacto federativo em suas dimensões político-administrativas e, principalmente, fiscais.
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