Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
As eleições municipais na França confirmaram a ascensão de políticos e partidos ligados à agenda da proteção ambiental. Jornalistas franceses classificaram o resultado do pleito como uma “onda verde”. O jovem partido do presidente Emmanuel Macron, o República em Marcha (LREM), foi o grande derrotado, perdendo em quase todas as principais cidades francesas. A derrota do LREM só não foi mais acachapante porque o primeiro-ministro Édouard Philippe conquistou a prefeitura de Le Havre, na Normandia, seu reduto eleitoral.
Diante da mensagem das urnas, o presidente precisa reforçar suas posições. Não surpreende, portanto, o recrudescimento do discurso de Macron contra a ratificação do acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. O presidente francês aludiu a supostos crimes ambientais cometidos por países que compõem o bloco sul-americano, principalmente o Brasil, é claro. O presidente francês chegou até a propor que o “ecocídio” fosse tipificado como crime pela legislação penal internacional, o que, em sua visão, levaria o presidente Jair Bolsonaro a ter de responder pela “queima da Amazônia” no Tribunal Penal Internacional. Não parece exagero: é um tremendo exagero. E calculado.
A bem da verdade, Macron está menos preocupado com o avanço das tratativas para ratificação do acordo comercial – que é bom tanto para UE como para o Mercosul – do que com a sua própria sobrevivência política. A popularidade do presidente francês despencou ao longo dos debates sobre a reforma previdenciária e das manifestações dos chamados “coletes amarelos” em seu país. Desde então, Macron precisa se reposicionar politicamente, pressionado que está pela extrema direita de Marine Le Pen, por um lado, e pela ascensão dos “verdes”, por outro. Naturalmente, ele pende para o lado dos ambientalistas.
Há algum tempo, mas sobretudo após a posse de Jair Bolsonaro, os governos dos 27 países que compõem a UE vêm sofrendo forte pressão de empresários e produtores locais para barrar o acordo de livre comércio com o Mercosul. Há evidente interesse desses agentes econômicos europeus, amparados por fartos subsídios estatais, em evitar a livre concorrência com os produtores do Mercosul, especialmente com o agronegócio brasileiro, altamente eficiente e competitivo no plano internacional. A cartada da preocupação ambiental serve como manto ideal para escamotear esse receio.
Curiosamente, um dos maiores aliados dos produtores europeus nessa cruzada protecionista é o governo brasileiro. O presidente Jair Bolsonaro tem se saído muito bem na tarefa de dar todos os motivos para que os que se opõem ao acordo de livre comércio entre UE e Mercosul tenham o discurso ideal na ponta da língua e posem como os grandes defensores da vida na Terra, quando, na verdade, têm apenas receio de competir no mercado internacional sem a proteção do Estado que até agora não tem lhes faltado.
É difícil imaginar a ratificação do acordo comercial pelos Parlamentos europeus enquanto o ministro do Meio Ambiente do Brasil for Ricardo Salles, notório adepto da “política da baciada” e do afrouxamento das normas de proteção ambiental. Tampouco ajuda o desprezo do presidente da República pela ciência e pelos órgãos e institutos encarregados de monitorar o desmatamento da Amazônia. Quando essas organizações técnicas apresentam dados que lhe desagradam, Bolsonaro desqualifica os mensageiros.
Em nome do interesse nacional, o presidente precisa entender de uma vez por todas que a ciência e a informação correta, apurada, são os melhores instrumentos à sua disposição para desconstruir discursos aproveitadores. É evidente que o Brasil tem sérios problemas ambientais e interessa à Nação brasileira, mais que a qualquer povo do mundo, a sua correta solução.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem sido uma voz quase solitária na contraposição dos fatos às versões. O que dizer do chanceler Ernesto Araújo e do próprio ministro Salles? Só atrapalham. Para os produtores europeus, devem ser os melhores ministros da Esplanada.
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