Numa democracia ainda em maturação, como é o caso da brasileira, o tema da liberdade de expressão, que deveria ser pacificado, ainda é objeto de barulhenta controvérsia – e, na presente campanha eleitoral, ganhou status de grande prioridade. Noves fora os exageros e as distorções, o fato é que é necessário revigorar a compreensão do que vem a ser liberdade de expressão e de imprensa, além de afastar, de forma muito firme, os ataques e as ameaças que vêm rondando o cenário nacional.
Há muita desinformação sobre o tema, o que gera confusão em muitas mentes e corações. O art. 5.º da Constituição assegura que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV), mas a liberdade de dizer o que se pensa não é autorização para cometer crimes, como calúnia, difamação, injúria, grave ameaça ou incitação à prática de crimes. Não existe liberdade absoluta. Cada um é responsável pelo que diz e, por isso, a Constituição veda o anonimato.
Algumas vezes, a própria Justiça difundiu incompreensões sobre o tema. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe tranquilidade ao País ao reconhecer, por unanimidade, o direito de publicar biografias não autorizadas. Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia lembrou que “o cala a boca já morreu”. No entanto, em 2019, a mesma Corte, em decisão do ministro Alexandre de Moraes, determinou a censura da revista Crusoé, por entender que determinada matéria não correspondia aos fatos. Ora, o Estado, seja em que instância for, não é censor da verdade. Logo depois, a ordem de censura foi suspensa, mas o caso serviu de alerta para o perigo de violar, sob pretexto de virtude, a liberdade de expressão e de imprensa.
Deve-se advertir que os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República – Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro – apresentam, cada um a seu modo, ameaças à liberdade de expressão. Desde sua fundação, o PT flerta com propostas de “regulação social da mídia”. Para piorar, os petistas nunca são claros na concretização dessas ideias, o que revela o caráter intimidatório dessas propostas – querem impor um clima de apreensão sobre o jornalismo profissional –, bem como a tentativa de criar uma falsa contraposição entre interesse público e imprensa.
É impressionante como o PT, mesmo depois de todos esses anos, se recusa a ver o mal que causa ao País e à democracia o seu discurso de encabrestar os meios de comunicação. Em boa medida, o partido de Lula forneceu as condições para que Jair Bolsonaro transformasse, sob aplausos de seus apoiadores, a imprensa num inimigo a ser combatido.
Coerente com seu histórico incivilizado, Jair Bolsonaro, por sua vez, inaugurou novos patamares de ataque e de intimidação dos profissionais da imprensa, especialmente de jornalistas mulheres. O bolsonarismo é de uma covardia deprimente. Mas toda essa dinâmica de enfrentamento dos meios de comunicação tão própria do governo atual teve o seu caminho aplainado pelo discurso e pela prática petista de desmerecer os questionamentos incômodos da imprensa independente.
Em vez de assumir a responsabilidade dos atos de Dilma Rousseff – que motivaram depois o seu impeachment –, o PT preferiu criticar a “imprensa golpista”. Agora, Jair Bolsonaro usa a mesma tática, revestida – esta é a novidade – de sua grosseria habitual. Quando é questionado sobre depósitos bancários suspeitos na conta de sua mulher, Michelle, o presidente da República interrompe a entrevista. Quando é indagado sobre a compra de 51 imóveis usando dinheiro vivo, fala da vida pessoal da entrevistadora e diz que está sendo indevidamente acusado. Ninguém o acusa de nada: apenas questiona a existência de tantos indícios de lavagem de dinheiro.
Em 2023, é preciso restaurar o fiel respeito à Lei de Acesso à Informação, a legitimidade das perguntas incômodas e a transparência dos atos estatais. Hostilidade à imprensa é coisa de regime autoritário, e não de democracia.
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