Por Notas & Informações
Com muita razão, o presidente Lula da Silva cobrou mais agilidade do governo para finalizar os detalhes do Desenrola, programa de renegociação de dívidas que visa a reduzir a inadimplência das pessoas físicas e impulsionar a economia. “Vamos desenrolar, pelo amor de Deus”, disse o petista, dirigindo-se ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O atraso no Desenrola impediu que o plano figurasse entre as promessas de campanha cumpridas na cerimônia de balanço dos 100 primeiros dias da gestão de Lula. A proposta, anunciada para rebater a principal bandeira de Ciro Gomes (PDT) na disputa eleitoral, estava prevista para ser lançada em fevereiro, mas até agora não saiu do papel. O secretário de Política Econômica da pasta, Guilherme Mello, disse que o programa estaria conceitualmente pronto, pendente apenas de soluções técnicas a serem resolvidas nos próximos meses. Mas tudo indica que esses problemas não parecem ter solução tão simples.
A ideia do governo é criar condições para que a plataforma digital do Desenrola permita a realização de um leilão em bloco das dívidas. De um lado, credores, como concessionárias de serviços públicos e varejistas, ofereceriam desconto sobre as dívidas de pessoas físicas; de outro, bancos e instituições financeiras quitariam esses débitos e passariam a cobrar os devedores inadimplentes por meio de novas operações, mais baratas e com prazos mais longos.
O governo, no entanto, só poderia garantir dívidas para pessoas com renda de até dois salários mínimos e dívidas de até R$ 5 mil. O Tesouro teria condições de oferecer garantias entre R$ 11 bilhões e R$ 15 bilhões. O restante seria lastreado em créditos tributários das instituições financeiras, estimados em cerca de R$ 100 bilhões.
Muito além das dificuldades operacionais para fazer credores e devedores se encontrarem na plataforma digital, uma desculpa no mínimo esdrúxula, as incertezas dos bancos sobre a viabilidade das operações sem garantia do Tesouro estariam por trás do atraso no lançamento do programa. No governo, há quem preveja o Desenrola apenas para o segundo semestre deste ano, algo inaceitável ante os recordes de inadimplência que têm sido registrados nos últimos meses.
Enquanto o governo bate cabeça na operacionalização do Desenrola, dados mais recentes da Serasa indicam que 70,5 milhões de brasileiros estavam com o nome sujo na praça em fevereiro – 430 mil a mais que no mês anterior. O número só cresce ao menos desde janeiro do ano passado e retroalimenta a inadimplência das empresas, que passaram a enfrentar novas restrições desde a fraude bilionária das Lojas Americanas.
Despesas típicas de início do ano, como pagamento de impostos e reajuste de mensalidades escolares, contribuíram para apertar ainda mais o orçamento dos brasileiros. Na média nacional, 43,36% da população adulta está inadimplente, mas Estados como Rio de Janeiro, Amazonas e Amapá já registram índices superiores a 52%.
Com inflação em rota de desaceleração, mas ainda elevada, juros altos e sem perspectiva imediata de redução e renda ainda distante de uma recuperação digna de nome, parece evidente que o cenário requer uma atuação prioritária do governo. Renegociações realizadas por instituições privadas não darão conta de reverter esse cenário.
O comportamento mais benigno do IPCA, que registrou alta de 4,65% nos 12 meses encerrados em março, finalmente dentro do intervalo de tolerância da meta de inflação, aliado à apresentação do novo arcabouço fiscal pelo governo, foi bem recebido pelo mercado financeiro e derrubou a cotação do dólar à vista a menos de R$ 5,00. Na outra ponta, famílias mais vulneráveis têm sido assistidas com a reformulação do Auxílio Brasil e sua reconversão ao Bolsa Família.
Empobrecida e endividada, a classe média ainda aguarda políticas públicas que a ajudem a se recuperar de anos que alternaram crescimento pífio e recessão, agravados pelos efeitos da pandemia de covid-19. Voltar a ter acesso ao crédito talvez seja a principal e a mais efetiva delas.
https://www.estadao.com.br/opiniao/a-espera-do-desenrola/
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