13 de outubro, 2024

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A face jurídica dos negócios: leis e decisões que delimitam a atuação das empresas

Por Thiago Crepaldi

*Reportagem publicada na 1ª edição do Anuário da Justiça Direito Empresarial.

versão online é gratuita (clique aqui para ler) e a versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui para comprar).

Como empreender em um país que tem quase 40 mil normas tributárias em vigor? Este é apenas um dos desafios dos empreendedores que se propõem a tocar uma empresa no Brasil e faz parte do pacote de dificuldades daquilo que os economistas chamam de Custo Brasil. Além da complexidade tributária, estudo patrocinado pela organização da sociedade civil Movimento Brasil Competitivo, em parceria com o governo federal, elencou 12 indicadores que compõem o Custo Brasil, definido como “o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem e comprometem novos investimentos e pioram o ambiente de negócios”. No total, foi calculado em R$ 1,7 trilhão ao ano, o equivalente a 23% do PIB brasileiro.

Entre os fatores elencados aparecem questões relacionadas à infraestrutura, acesso a insumos básicos e integração com cadeias produtivas globais. Seis indicadores estão diretamente relacionados com o sistema de Justiça ou com o ordenamento jurídico do país e ajudam a explicar por que o mundo dos negócios é um dos principais clientes do Poder Judiciário. São questões relacionadas à contratação de mão de obra, ao ambiente jurídico e regulatório, ao pagamento de impostos, às regras de concorrência e à abertura e encerramento do negócio.

Um recorte nos indicadores do Custo Brasil mostra que o país gasta cerca de R$ 654 bilhões com encargos trabalhistas e judicialização, com a lentidão do Judiciário em tomar decisões, com o excesso de regulação, com a carga tributária e com a insolvência. Este valor corresponde a 33% do total do custo Brasil.

Dados do Mdic, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, informam que o Brasil tem 21 milhões de empresas em atividade, das quais 88% são microempresas, 5% são pequenas e 6% médias e grandes empresas. A maior concentração delas está em São Paulo (cerca de seis milhões), seguido de Minas Gerais (2,2 milhões) e Rio de Janeiro (1,8 milhão).

O valor de mercado de todas as empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo é de R$ 4,8 trilhões, o que corresponde a 48% do PIB brasileiro (R$ 9,9 trilhões em 2022, segundo o IBGE). Apenas as dez maiores empresas do país têm valor de mercado estimado em R$ 2,1 trilhões.

Classificação das empresas (clique aqui para ampliar a imagem)

As micro e pequenas empresas respondem por 30% do PIB, enquanto as grandes respondem por 70% dos bens e serviços produzidos. No quesito geração de emprego, a bola está com as microempresas: são 18 milhões de estabelecimentos da espécie (faturam até R$ 360 mil por ano e têm sob contrato até 19 trabalhadores), que respondem por 54% dos empregos no Brasil.

Já os microempreendedores individuais (MEIs) são uma simbiose de empresário e trabalhador inventada na modernidade pós-industrial, onde patrão, empregado e empresa são a mesma pessoa. Segundo dados do Mdic, o Brasil atingiu a marca de 15 milhões de registros na categoria em 2023. O MEI é uma pessoa física com CNPJ que pode faturar até R$ 81 mil por ano e contratar não mais que um funcionário. O fenômeno é consequência tanto do apelo crescente ao empreendedorismo como uma reposta às modernas formas de emprego e trabalho.

As empresas do setor terciário, que abrange serviços e comércio, são responsáveis por mais da metade do PIB e pela geração de 75% dos empregos, sendo o maior ramo da economia do país. O setor primário, que compreende as atividades agropecuárias, de mineração e extrativas, é o responsável maior pela entrada de divisas, fazendo do Brasil um dos maiores exportadores de matéria-prima do mundo. A indústria, que tradicionalmente puxou o crescimento da economia, vive um momento de transformação, não só no Brasil, e tem perdido espaço.

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Empresas são constituídas para gerar lucros para seus donos e seus acionistas. Atingem esse objetivo produzindo bens e serviços para a sociedade consumidora. Para produzir, contratam os trabalhadores em troca de emprego e renda. Cabe ainda às empresas recolher aos cofres públicos os impostos que incidem sobre a atividade produtiva e comercial e que, em última análise, são pagos pelo consumidor final. Como todo ser vivo, empresas nascem, crescem e morrem. Toda a atividade negocial e a relação entre as próprias entidades produtoras estão sujeitas a regras impostas pelo Estado e geram atritos e litígios que desaguam no Judiciário.

Para cada uma das facetas da atividade negocial, descrita de forma simplista e ligeira no parágrafo anterior, existe um ramo do Direito. O Direito Societário trata da constituição das empresas e da relação entre sócios. O Direito Concorrencial estabelece as regras de competição entre empresas. O Direito da Insolvência socorre as empresas que enfrentam dificuldades para pagar suas contas e se mantêm produtivas. O Direito Tributário rege o pagamento de impostos. O Direito do Trabalho regula as relações entre trabalhadores e empregadores e o Direito de Defesa do Consumidor oferece garantias para que o consumidor seja bem atendido. É disso que trata este Anuário da Justiça Direito Empresarial (clique aqui para ler).

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Anuário também promoveu pesquisa inédita (clique aqui para ler) para aferir o que pensam executivos e diretores jurídicos sobre o Judiciário, sobre meios alternativos de resolução de litígios, a relação com os escritórios de advocacia terceirizados e as novas exigências em termos de governança e compliance. Uma das revelações mais surpreendentes da pesquisa é que a maior parte das 155 empresas que responderam ao questionário, enviado às 1.000 maiores do país, prefere a Justiça a institutos como a arbitragem para a solução de conflitos.

A baixa adesão à arbitragem e a outros métodos alternativos de resolução de litígios, porém, não quer dizer satisfação com o Judiciário. A parcialidade é um problema comum indicado quando o Estado é uma das partes no processo. Para 72% dos executivos jurídicos, os julgadores favorecem, em algum grau, o poder público nos processos. Quanto aos órgãos administrativos de controle, como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a impressão é a mesma. A pesquisa foi feita com consultoria da FGV e do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) (clique aqui para ler)

O impacto da judicialização das matérias de Direito Empresarial, tais como insolvência, concorrencial e societário, manifesta-se muito mais em razão dos valores das causas do que no volume de ações. Processos de recuperação judicial quase não se fazem notar na lista de temas mais demandados na Justiça, feita pelo DataJud do Conselho Nacional de Justiça, mas uma única causa, como a da rede de varejo Americanas, instaurada no início de 2023, envolve uma quantia (a dívida da empresa em recuperação é estimada em R$ 40 bilhões) maior do que todos os valores pagos aos demandantes da Justiça do Trabalho em 2022 (R$ 38 bilhões, de acordo com o último dado disponível no site do TST).

A repercussão econômica de decisões do Supremo Tribunal Federal como a da “coisa julgada”, no julgamento dos temas de repercussão geral 881 e 885, é difícil de ser avaliada, mas pode superar a casa dos bilhões de reais, já que afeta a cobrança de vários impostos em um período de cerca de 30 anos. Os ministros do STF consideraram que uma decisão definitiva, a chamada “coisa julgada”, sobre tributos recolhidos de forma continuada, perde seus efeitos caso a corte se pronuncie em sentido contrário.

O que está fora de dúvida é que a judicialização é um gerador compulsório de insegurança jurídica. A insegurança é potencializada quando diferentes instâncias do Judiciário tomam decisões em direções diferentes, como foi no caso da “coisa julgada”, que colocou em polos divergentes sobre a mesma matéria o STF e o Superior Tribunal de Justiça. Na área trabalhista, são frequentes as divergências entre o Supremo e o Tribunal Superior do Trabalho, como ficou constatado em diversas ações que contestavam a reforma trabalhista promovida pelo governo Temer, em 2017.

Na área tributária, a complexidade do sistema cobra um custo acessório que se soma à já pesada carga tributária, além de exigir uma política de conformidade também onerosa.

Embora não costumem ser enquadradas como áreas específicas do Direito Empresarial, outros três ramos do Direito impactam diretamente nos negócios. Além do Direito Tributário, temos ainda o Direito do Consumidor e o Direito do Trabalho. Senão em valores, em número de processos a matéria consumerista e trabalhista, juntamente com a tributária, dominam a pauta de varas e tribunais do país. Os números mostram que de cada dez processos que são protocolados no Judiciário, quatro contêm demandas trabalhistas, do consumidor ou tributárias.

Em resposta a essa demanda qualificada e em crescimento, o Judiciário tem criado conformidades. O Conselho Nacional de Justiça, em outubro de 2019, editou a Recomendação 56, para que os Tribunais de Justiça “promovam a especialização de varas e a criação de câmaras ou turmas especializadas em falência, recuperação judicial e outras matérias de Direito Empresarial”.

Para o CNJ, “a aplicação ineficaz das ferramentas legais do sistema de insolvência empresarial gera prejuízos sociais gravíssimos, seja pelo encerramento de atividades viáveis, com a perda dos potenciais empregos, tributos e riquezas, seja pela manutenção artificial do funcionamento de empresas inviáveis, circunstância que impede a produção de benefícios econômicos e sociais e atua em prejuízo do interesse da sociedade e do adequado funcionamento da economia”.

Direito de Insolvência
O ano de 2023 começou com uma série de notícias dando conta das dificuldades de grandes empresas para pagar suas contas. O caso mais noticiado foi o da Americanas, gigante do comércio de varejo, que entrou com pedido de recuperação judicial diante de “inconsistências contábeis” em seu balanço que revelaram um rombo de mais de R$ 40 bilhões.

De acordo com o Indicador de Recuperação Judicial e Falências da Serasa Experian, que monitora empresas e consumidores em dívida no Brasil e possui dados sobre a área desde 1991, entre janeiro e junho de 2023, foram protocolados 593 pedidos de recuperação judicial, número 52% maior que no mesmo período de 2022. Já os pedidos de falências tiveram aumento de 36% em relação ao mesmo período: foram 546 solicitações em 2023 contra 401 no primeiro semestre de 2022.

Substituta da antiga Lei das Concordatas, de 1945, na verdade Decreto-Lei 7.661/1945, a Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/2005) trouxe um novo paradigma no tratamento das empresas em dificuldade para honrar seus compromissos. Enquanto a antiga lei tinha seu foco na extinção do negócio, a nova lei passou a buscar a preservação da atividade empresarial. Atualizada em dezembro de 2020 (Lei 14.112/2020), especialistas da área afirmam que ela está melhor, mais moderna com as práticas adotadas por países de ponta.

Olhando para o passado, alguns dados dos processos de insolvência revelam gargalos preocupantes. De acordo com estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) em mais de seis mil casos na Justiça de São Paulo, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2020, um processo de falência demorou, em média, 16 anos e o passivo pago aos credores foi de apenas 6%, ou seja, uma agonia lenta e dolorosa.

Outro levantamento feito pela ABJ indica que, na média de pagamentos, apenas 12% dos ativos do devedor (bens da empresa como maquinários etc.) são recuperados para venda. Com percentuais tão baixos, o que se consegue arrecadar praticamente só paga as custas processuais e os honorários do administrador.

Com uma recuperação judicial cara e, muitas vezes, complexa, empresas de pequeno porte nem optam por essa via. É o que atesta o desembargador Eduardo Azuma Nishi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Recuperação judicial não é um instituto para pequenas e médias empresas. É um procedimento caro. O que acontece, em grande medida, é que o pequeno comércio ou a pequena indústria simplesmente deixa de funcionar. Podemos falar em uma recuperação ou falência informal”, afirma o desembargador.

Direito Concorrencial
O Direito da Concorrência é o ramo do Direito que analisa, sob a ótica econômica e legal, como se comportam, concorrencialmente, as empresas que atuam em um dado mercado. Trata, também, das operações de aquisição e fusão das empresas. Muito embora o Judiciário não esteja ausente das lides concorrenciais, o ente regulatório determinante na área é o Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

Subordinado ao Ministério da Justiça, o Cade foi criado há mais de 60 anos pela Lei 4.137/1962. Em 2012, a nova Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011) promoveu uma ampla reformulação, atribuindo ao Cade a missão de instruir processos administrativos para apurar infrações à ordem econômica, assim como processos de análise de atos de concentração.

E o órgão tem correspondido ao desafio. De acordo com relatório da KPMG Brasil, até o final de 2021, o Brasil teve o melhor desempenho dos últimos 25 anos em fusões e aquisições, tendo registrado 1.963 transações, 59% a mais do que o registrado em 2019, quando foram anotadas 1.231 transações.

“Estes resultados consolidam a tendência de investimento em transformação digital e inovação, protagonizadas pelas companhias brasileiras, multinacionais e investidores financeiros, que têm feito aportes estratégicos em diversos segmentos de negócios”, explica o estudo. “Isso indica, ainda, que a confiança em negócios relacionados com inovação permanece em rota crescente junto a investidores estratégicos e financeiros desde o início da pandemia, em 2020.”

O Conselho atua, ainda, no combate a condutas anticompetitivas. É o caso dos cartéis, quando empresas fazem conluio para controlar um mercado, determinando preços e limitando a concorrência. Em 2022, o órgão aplicou R$ 1,1 bilhão em multas por condutas anticompetitivas. No mesmo período, arrecadou R$ 382 milhões em multas aplicadas, além de condenações judiciais relacionadas a outros direitos difusos. Desde o início da vigência da Lei antitruste (Lei 12.529/2011), foram arrecadados R$ 3,9 bilhões.

A concorrência tem impacto direto no bolso do consumidor, tanto nos casos de aquisições e fusões como nos de cartel. De acordo com a procuradora-chefe do Cade, Juliana Domingues “quando você tem um produto cartelizado, o consumidor paga mais caro. Tendo mais ofertas, o bem-estar do consumidor é garantido”, diz.

Direito Tributário
“Costuma-se dizer que qualquer empresário do Brasil conseguiria abrir uma empresa em qualquer outro país do mundo e prosperar com muita facilidade. Aqui ele tem de matar um leão por dia. Às vezes mais de um.” A frase do ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, sintetiza o cenário enfrentado pelo empreendedor brasileiro e se aplica de modo muito especial ao seu dever de pagar impostos.

Com um sistema tributário dos mais complexos do mundo e a carga tributária mais elevada, o Direito Tributário nacional tornou-se uma rota quase obrigatória para a judicialização. “Não precisa ser economista renomado para saber que a nossa carga tributária é muito elevada. E sobretudo a questão da burocracia e da insegurança jurídica também são fatores que são levados em conta para avaliação de risco por investidores estrangeiros”, afirma o ministro.

De acordo com o Tesouro, os contribuintes brasileiros pagaram, em 2022, R$ 3,3 trilhões em impostos, o que representa 33,7% do PIB. Desse total, 22,7% são do governo federal, 8,6% dos estados e 2,3% dos municípios. Vigoram, hoje, no país 38 mil normas tributárias, o que, por si só, demonstra a complexidade do sistema. Além de pagar impostos federais, estaduais e municipais o contribuinte tem de conhecer a legislação e equipar seu negócio com uma estrutura especializada para cumprir suas obrigações fiscais. Parte desta estrutura se dedica ao planejamento tributário, que busca as formas de pagar menos impostos sem burlar a lei.

No Brasil, os litígios se sobressaem quando comparados com outros países, seja em número de processos, seja quanto ao valor discutido em juízo em relação ao faturamento da empresa. Em resposta a consulta feita pelo CNJ, empresas transnacionais mostraram a desproporcionalidade entre o número de processos tributários e o montante em discussão. Uma das empresas apontou ter 90% dos processos no Brasil, que representavam 75% do valor em discussão, enquanto o restante do percentual é diluído nos demais países em que atua.

De acordo com essa pesquisa, enquanto o percentual de valores em litígio no Brasil chegaria a 57% do faturamento anual das empresas, nos outros países em que atuam ficaria em 3,3%. Do total de processos tributários das empresas, 98,7% são brasileiros e somente 1,3% é de outros países.

A redução do contencioso judicial e administrativo passa por medidas de harmonização do sistema, segundo especialistas na área, que também apontam a necessidade de melhorar a relação entre Fisco e contribuinte. Enquanto a reforma tributária não vem, a transação tributária é exemplo de medida adotada para diminuir a litigiosidade, o estoque de processos tributários e, ainda, ajudar na recuperação do crédito.

A transação, prevista há anos no Código Tributário, destina-se à negociação de créditos inscritos em dívida ativa da União. Foi regulamentada em 2020 e estimulada durante a pandemia, como mostram os números da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN): desde então, R$ 404,3 bilhões em dívidas já foram negociados com o órgão.

Em outra medida de conformidade, já no início de 2023, a PGFN e a Receita Federal editaram portaria conjunta instituindo o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (PRLF). Conhecido como “Litígio Zero”, o programa prevê a renegociação de dívidas por meio da transação tributária no caso de débitos discutidos nas Delegacias de Julgamento (DRJ) e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), além daqueles de pequeno valor, sejam decorrentes de contencioso administrativo, sejam inscritos em dívida ativa da União.

O Carf é o órgão julgador na esfera administrativa de maior influência na definição de doutrina e política tributária. Integra a estrutura do Ministério da Fazenda e é formado por representantes dos contribuintes e da Fazenda Nacional. Em 2019, dados mais recentes divulgados, os processos decididos pelo órgão envolviam quase R$ 430 bilhões.

Direito do Trabalho
Os direitos trabalhistas são considerados uma pedra no sapato do empresariado brasileiro e tem um enorme peso no chamado Custo Brasil. No estudo do Movimento Brasil Competitivo e do Mdic, já citado nesta reportagem, que avaliou o Custo Brasil em 2021, o fator trabalho, entre os 12 considerados, representou 18% das dificuldades de se fazer negócio no país. Parte desse ônus é atribuído à falta de qualificação da mão de obra nacional e parte se deve à legislação considerada ultrapassada e superprotetora, e à atuação da Justiça do Trabalho, igualmente considerada ultrapassada e superprotetora.

A legislação do trabalho no Brasil está condensada no Decreto-Lei 5.452 de 1943, a famigerada CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. É lá que estão garantidos direitos básicos como jornada de trabalho, férias de 30 dias, décimo terceiro salário, descanso semanal remunerado e outras vantagens que para uns são direitos indisponíveis e para outros regalias insuportáveis.

Essa legislação, construída intencionalmente com o caráter de proteção aos direitos dos trabalhadores e que passou por sucessivas reformas ao longo de seus 80 anos de existência, é a fonte do alto grau de judicialização na área trabalhista. Em 2022, de cada dez processos protocolados na Justiça brasileira, quatro continham reclamações trabalhistas. A maior parte dessas causas discute questões de fato, não de Direito. Em 2022, por exemplo, dos 3,2 milhões de casos novos apresentados à Justiça do Trabalho, um milhão tratava de horas extras; 550 mil da multa de 40% sobre o FGTS; e 480 mil de aviso prévio.

A judicialização do trabalho ocorre ao mesmo tempo em que as relações entre empresas e trabalhadores vivem uma fase radical de mudanças, tanto na legislação como nas práticas. O ponto de maior tensão é o que contrapõe as formas convencionais da relação de emprego com as modernas modalidades de trabalho proporcionadas pelos avanços tecnológicos. As expectativas para pacificar essas tensões recaem sobre o Legislativo e, na falta dele, sobre o Judiciário.

Nos últimos anos, a partir do governo do presidente Michel Temer, a CLT passou por reformas na busca de se atualizar e de suavizar as críticas do setor produtivo. Os empresários avaliam que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) gerou para as organizações maior flexibilidade na relação empregado e empresa, maior segurança jurídica para o empregador e ampliação das modalidades de contrato de trabalho. Isso teria feito com que a CLT deixasse de ser o único caminho vantajoso para as empresas e os trabalhadores.

Toda reforma nas leis do trabalho visa a quebrar a armadura de direitos que protegem o trabalhador – a precarização do emprego, como gostam de dizer os defensores desses direitos. O resultado disso, contando com uma boa ajuda da tecnologia, é o surgimento de novas formas de trabalho e de novas relações de emprego. Isso explica, por um lado, a explosão de MEIs, os microempreendedores individuais, uma forma de trabalho em que o trabalhador é o seu próprio patrão. Explica também o processo de uberização das relações de trabalho, em que o patrão é um aplicativo.

Evitar disputas na Justiça contra seus colaboradores ou ex-empregados é outra das preocupações em meio ao momento de mudanças. A atuação dos departamentos jurídicos é fundamental para evitar as disputas das empresas junto aos trabalhadores ou para lidar com essa questão quando a judicialização acaba por se tornar realidade.

Direito do Consumidor
Quase um quarto das ações propostas na Justiça tratam de Direito do Consumidor. Nos últimos anos, houve a propositura de uma média de 4,2 milhões de ações consumeristas por ano. Em 2022, foram 5,8 milhões. O Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, que engloba todos os Procons do país, na esfera extrajudicial, tem média anual de 1,9 milhão de reclamações consumeristas.

O Código de Defesa do Consumidor, considerado uma das leis mais avançadas sobre o assunto no mundo, foi instituído em 1990 na esteira dos direitos consagrados na Constituição de 1988. Junto da expansão do consumo, o CDC empoderou os consumidores que se sentem lesados a acionar as empresas no Judiciário. Se por um lado foi muito positivo, para que as empresas melhorassem a qualidade e segurança dos seus produtos, serviços e atendimento, por outro abriu portas para uma judicialização muitas vezes desnecessária.

A maior parte das ações fraudulentas de massa, com petições padronizadas, pedidos genéricos e até venda de cessão de direitos se dão na área de consumidor, devido à dificuldade das grandes empresas se defenderem de tantos processos país afora. Essas situações têm impacto sobre o faturamento, já que impõem custos com processos judiciais que a empresa arca aos milhares. De acordo com o painel dos maiores litigantes no Judiciário do CNJ, no polo passivo encontram-se as concessionárias de energia elétrica, os bancos e as empresas de telefonia.

“Temos uma das legislações protetivas do consumidor mais arrojadas e avançadas no mundo todo, para garantir o funcionamento e proteção do consumidor, cumprindo a regra constitucional. Mas ela torna o nosso sistema diferente de todos os outros, porque temos o dano moral pelo fornecedor ou fabricante, que funciona como uma espécie de estímulo para ir ao Judiciário. Além de buscar reparação do direito, ele ainda tem a reparação financeira por força do dano moral que a lei estabeleceu”, comenta o ministro do STJ, Luis Felipe Salomão.

Dados do CNJ mostram que a indenização por violações à honra e à dignidade é o principal assunto das ações consumeristas. De 5,8 milhões de novas ações em 2022, 1,2 milhão pedia esse tipo de reparação (20,7% do total). No STJ há quinze anos, Salomão lidera a ala de julgadores que defende maior equilíbrio dessas relações de contrato, de forma a não onerar empresas.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2023
1ª edição
Número de Páginas: 156
Editora: Consultor Jurídico
Versão impressa: R$ 40, na Livraria ConJur
Versão digital: É gratuita, acesse pelo site https://anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça

Anunciaram nesta edição
Advocacia Del Chiaro
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Bottini & Tamasauskas Advogados
Caselli Guimarães Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Heleno Torres Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lemos Jorge Advogados Associados
Machado Meyer Advogados
Sergio Bermudes Advogados
Unisa – Universidade Santo Amaro
Warde Advogados

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Thiago Crepaldi é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2023

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