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A guerra de Bolsonaro

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

15 de maio de 2020 |

A equipe econômica do governo federal informou na quarta-feira, dia 13, que sua projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano caiu de 0,02% positivo para 4,7% negativos. O dado foi apresentado de forma a enfatizar o caráter dramático da situação e a atribuir o cerne do problema ao isolamento social para enfrentar a pandemia de covid-19. Segundo informou o Ministério da Economia, o PIB perde R$ 20 bilhões por semana em razão do isolamento.

Embora tenha negado que estivesse fazendo críticas à adoção da quarentena, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, disse, ao apresentar os números, que o objetivo era “deixar claro para a sociedade o custo das decisões” e mostrar que, “quanto mais semanas ficarmos em distanciamento social, maior será o número de falências e de desemprego e maior será o impacto de longo prazo”.

Ato contínuo, na manhã seguinte, o presidente Jair Bolsonaro informou aos brasileiros que há uma “guerra” em curso no País, em referência ao isolamento social determinado por autoridades estaduais e municipais. “O que está acontecendo parece uma questão política, tentando quebrar a economia para atingir o governo”, disse Bolsonaro, em seu dialeto peculiar.

Ou seja, o governo parece ter unificado o discurso em torno da narrativa segundo a qual o Brasil está à beira do precipício econômico e social não em razão da pandemia, que está arrasando mesmo países desenvolvidos, mas sim graças ao isolamento social – que, conforme Bolsonaro, é resultado de um imenso complô da oposição, em conluio com a imprensa e com o Judiciário, para sabotar sua administração.

Para essa “guerra” em defesa de seu governo e, por extensão, do País, Bolsonaro convocou os empresários a pressionar o governador de São Paulo, João Doria, a relaxar a quarentena no Estado. “Um homem está decidindo o futuro de São Paulo, o futuro da economia do Brasil. Os senhores (empresários), com todo o respeito, têm de chamar o governador e jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra”, disse o presidente, que, prevendo “caos” social, arrematou: “O Brasil está quebrando. E depois de quebrar, não é como alguns dizem, que a economia recupera. Não recupera. Vamos ser fadados a viver num país de miseráveis, como alguns países da África Subsaariana”.

Assim, o presidente Bolsonaro quer fazer crer que o isolamento social, adotado em todo o mundo para conter a pandemia, é uma escolha, e não um imperativo – e essa escolha, aqui no Brasil, seria fruto de maquinações políticas. Ora, é um insulto à inteligência presumir que chefes de Estado ao redor do mundo estejam submetendo seus governados a privações desnecessárias. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, estima que 9 das 11 principais economias do mundo terão retração econômica severa e, em vários casos, sem precedentes. O Unicef (Fundo da ONU para a Infância) prevê que o colapso do sistema de saúde aumentará em 1,2 milhão de crianças a conta da mortalidade infantil no mundo nos próximos seis meses. O empobrecimento planetário já é uma realidade – que fica particularmente dramática em países cujos governantes, como Bolsonaro, agem de maneira irresponsável.

Se o presidente estivesse realmente preocupado em mitigar os múltiplos efeitos da pandemia, travaria uma guerra não contra os governadores e contra a oposição, e sim contra o vírus – que, por ora, está em grande vantagem, graças à bagunça que Bolsonaro criou no Ministério da Saúde, incapaz de liderar os esforços contra a pandemia, e ao comportamento do presidente, que continua a desdenhar das mortes, estimulando os brasileiros a ignorar a quarentena.

Nesse seu prélio delirante, Bolsonaro chegou até a citar uma frase de Napoleão, “enquanto o inimigo estiver fazendo um movimento errado, deixe-o à vontade”, para dizer que “o movimento errado é se preocupar apenas e tão somente com a questão do vírus” – e quem ganha com isso, disse o presidente, é “a esquerda”, que “está quietinha”.

Se quisesse realmente se inspirar em Napoleão, o presidente Bolsonaro deveria buscar outra frase do general francês, aquela que diz que “o verdadeiro líder é um mercador de esperanças”. Algo praticamente impossível para um presidente cuja vocação é frustrá-las.

 

 

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