Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O padrão de vida piorou com a pandemia, responderam 54% dos consultados pelo Instituto Locomotiva. Quase dois terços desse grupo – 64% – estimaram levar mais de um ano para retomar o padrão anterior à covid-19. A pesquisa, solicitada pelo Estado, mostra em números alguns dos efeitos de uma das maiores crises sociais do último meio século. Além disso, deixa mais clara a real dimensão da tarefa imposta ao governo. Além de planejar e conduzir a reativação dos negócios e a retomada do emprego, a equipe econômica deverá promover a recuperação das condições de vida dos mais afetados pela crise e, ao mesmo tempo, reiniciar o conserto das finanças públicas. Será um trabalho tecnicamente complicado e, quase certamente, dificultado pelas preocupações políticas e pessoais do presidente Jair Bolsonaro.
O presidente continuará, muito provavelmente, dando prioridade à reeleição, aos problemas de seus filhos e aliados mais próximos e às demandas de aliados com ambições e interesses custosos. A política de recuperação fiscal poderá ainda colidir com o plano de investimentos defendido por vários ministros, contra a opinião dos técnicos do Ministério da Economia. Se a orientação presidencial favorecer esse aumento de gastos, graves problemas nas contas do governo ainda se estenderão até a metade, ou mais, do mandato previsto para começar em janeiro de 2023.
Medidas para a recuperação das condições de vida, a partir do próximo ano, serão, em princípio, compatíveis com os objetivos eleitorais do presidente da República. Mas a equipe econômica terá de encontrar uma fórmula para conciliar essa recuperação com a retomada do ajuste fiscal. Os estragos já identificados são enormes.
Na pesquisa publicada ontem no Estado, 56% dos consultados disseram esperar redução de renda como efeito da pandemia. Cerca de um terço, 31%, apontou a impossibilidade de manter pelo menos uma das três despesas seguintes: plano de saúde, mensalidade escolar e empregada ou empregado doméstico.
Apesar da baixa do padrão de vida, os integrantes desse grupo ainda continuarão em condições melhores que as de dezenas de milhões agora socorridos com parcelas de R$ 600 de ajuda emergencial. Como essa ajuda é temporária, muitos brasileiros poderão simplesmente afundar na pobreza, nos próximos meses, até porque o emprego deverá permanecer muito escasso por longo tempo. A dimensão do desemprego, hoje mal disfarçada pelo retraimento de enorme número de trabalhadores, ficará mais clara quando milhões de desocupados voltarem ao mercado em busca de vagas.
Se o Produto Interno Bruto (PIB) diminuir 6% neste ano, o PIB por habitante encolherá cerca de 6,7%, porque a atividade se contrai, mas a população continua crescendo a uma taxa anual próxima de 0,8%. Mas a média estatística, de 6,7% de redução, será um retrato apenas aproximado da realidade. Uns poucos até poderão chegar ao fim de 2020 com mais dinheiro em suas contas. Para grande parcela dos brasileiros, no entanto, a perda poderá ser muito superior àquela média.
Mesmo nos países mais avançados a pobreza deve estar aumentando. No Brasil, no entanto, o custo social da crise tende a ser muito maior, por causa da enorme desigualdade de renda. A desigualdade brasileira, embora menor do que era, por exemplo, há um quarto de século, ainda é uma das maiores do mundo, superando a da maior parte das economias emergentes.
O programa de transferência prometido pelo governo, o Renda Brasil, poderá atenuar a desigualdade. Mas o ministro da Economia tem vinculado a implantação desse programa à criação de um imposto semelhante à CPMF (ver editorial ao lado). Seria uma péssima solução, até porque esse tributo pesaria mais sobre as classes média e pobre, anulando parte dos efeitos de uma política distributiva. Além disso, seria um imposto fortemente cumulativo, prejudicial, portanto, à competitividade e ao crescimento econômico. A superação dos danos sociais causados pela crise dependerá de crescimento firme e inclusivo. O governo deve ainda a resposta a esse problema.
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