Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O ímpeto reformista de Jair Bolsonaro arrefeceu bastante desde que ele assumiu a Presidência da República. De todas as reformas prometidas pelo então candidato no curso da campanha eleitoral de 2018, apenas a reforma da Previdência foi aprovada pelo Congresso – e mesmo assim, a bem da verdade, muito mais em função da mobilização da sociedade e do empenho de um grupo de parlamentares do que propriamente do engajamento do presidente naquele projeto vital para o País.
Para não ficar marcado como um descumpridor de promessas, seria bom Bolsonaro abandonar seu passatempo preferido – a produção de crises descabidas – e mobilizar seu governo para a retomada da agenda de reformas sem as quais o Brasil permanecerá aferrado ao atraso. Se o presidente já não está totalmente dedicado ao enfrentamento da maior emergência sanitária deste século, como lhe incumbe, que ao menos cuide de outras questões de interesse nacional. A reforma administrativa é item prioritário nessa agenda.
Em primeiro lugar, é fundamental esclarecer que a reforma administrativa não visa primordialmente à redução do gasto público. É evidente que o enxugamento da chamada máquina pública será benéfico para o País, mas o objetivo primaz de uma reforma administrativa há de ser a racionalidade na prestação de serviços à sociedade pelo Estado, e não apenas o corte de gastos. De nada adianta gastar menos se a qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão cai em igual medida. O Estado deve gastar bem, não necessariamente menos. Hoje gasta muito e mal.
Mas nem isso o presidente Jair Bolsonaro parece compreender, e menos ainda implementar. Eleito com a promessa de realizar um “corte intenso” de 30% dos quadros da administração pública federal, Bolsonaro está longe de honrar a palavra empenhada na campanha. Como o Estado revelou recentemente, passado um ano e meio de mandato, nem no Palácio do Planalto o presidente conseguiu concretizar a meta prometida. O número de servidores na sede do governo federal (3.395) é apenas 4,2% menor do que era no governo anterior (3.544). A criação do chamado “gabinete do ódio” contribuiu para manter o Planalto inchado. Sob Bolsonaro, a Assessoria Especial da Presidência, onde está abrigada essa espécie de bunker da desinformação e da ofensa, viu crescer o número de servidores ali lotados.
Não sem uma boa dose de razão, os cidadãos veem o Estado como um monumental e ineficiente sorvedouro de recursos públicos, independentemente do matiz político-ideológico do governo de turno. Passa da hora de isso mudar. Uma boa reforma administrativa se impõe porque o Estado precisa ter a medida exata para deixar livre a atuação da iniciativa privada nas muitas áreas em que ela é mais competente e para atuar a serviço do cidadão – não custa lembrar que o Estado não é um fim em si mesmo – com mais racionalidade e eficiência. Como está, enredado por uma espessa teia de estatais, autarquias, bancos, conselhos e fundações, o Estado mal consegue se mover na direção de seu fim maior – a promoção do bem comum -, capturado que está por uma miríade de forças corporativas que sabotam qualquer esforço que venha na direção contrária de seus interesses. Quem haverá de ser o presidente da República a olhar pela sociedade e, enfim, quebrar este círculo pernicioso?
Bastante ligado às questões de interesse dos servidores públicos, Jair Bolsonaro, ao que parece, não se mostra inclinado a exercer esse papel. O presidente tem adiado sucessivamente a apresentação de seu projeto de reforma administrativa ao Congresso. “Vai aparecer, mas vai demorar um pouco”, disse Bolsonaro em novembro do ano passado. Se demorasse “um pouco” estaria bom. Quanto mais o governo procrastina a apresentação de seu projeto de reforma administrativa, mais tempo as corporações de servidores públicos têm para se organizar e barrar as eventuais mudanças que lhes atinjam. E mais tempo e recursos dos contribuintes o Brasil desperdiça para manter intocada a administração pública federal, há muito cara, ineficiente e atrasada.
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