Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro pode sentir-se acima da lei, do decoro e da honestidade intelectual – e continuar difamando as urnas eletrônicas, criando animosidade contra as instituições e tentando criar um ambiente propício à desordem e à ruptura institucional. No entanto, se pensava que não haveria reação da população, enganou-se. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tolera sua escalada de afronta às eleições. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também. Mas a sociedade não. Há limites.
Depois da reunião do dia 18 de julho com embaixadores, na qual Jair Bolsonaro disse ao mundo que a democracia brasileira não era confiável, o País acordou. Houve um sem-número de depoimentos de entidades e pessoas que participaram e ainda participam do processo eleitoral atestando a lisura e a segurança do nosso sistema de votação e apuração. A democracia brasileira não está nas mãos de algumas poucas pessoas. É uma construção coletiva, robusta e admirada – aqui e no mundo inteiro.
Além disso, os últimos ataques de Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral suscitaram na população uma nova compreensão da dimensão e gravidade das ameaças do bolsonarismo ao Estado Democrático de Direito. Em número crescente, entidades e lideranças civis vêm cerrando fileiras em defesa da integridade das eleições e da Justiça Eleitoral. Não há espaço para retrocesso.
Uma das iniciativas é a reedição da Carta aos Brasileiros de 1977, de autoria do jurista Goffredo da Silva Telles Júnior. Lido em agosto daquele ano na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o documento manifestava repúdio ao regime militar e pedia a volta da democracia. A ser lida no mesmo local, no próximo dia 11 de agosto, pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, a nova Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito denuncia o “momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.
“Independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz o manifesto deste ano do Largo de São Francisco, recordando que “são intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”.
É surpreendente – e tristemente sintomático dos tempos atuais – que a sociedade brasileira precise reafirmar, como diz a carta a ser lida nas Arcadas, que “ditadura e tortura pertencem ao passado” e que “a solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições”. A boa notícia, a confirmar o isolamento dos autoritários, é que o documento vem recebendo amplo apoio dos mais diversos setores da sociedade brasileira. Ninguém preocupado com o País quer saber de bagunça com as eleições ou de ruptura da ordem constitucional.
Entre outras muitas iniciativas em defesa da democracia, vale destacar uma manifestação da Academia Paulista de Letras por sua contundência. “O roteiro para a contestação do resultado das urnas se desenvolve sob as vistas de todos e ameaça repetir, como farsa, a história de ataque às instituições, como ocorreu nos EUA”, diz o texto. “Nesse quadro de incertezas e grandes riscos, a Academia Paulista de Letras conclama a sociedade civil a manter-se atenta na defesa do Estado Democrático de Direito, das instituições, da segurança do sistema eleitoral e do respeito ao resultado da manifestação dos eleitores.”
Como a confirmar os piores temores, o governo de Jair Bolsonaro vestiu a carapuça. Para o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), as manifestações em defesa das eleições são um ataque ao presidente da República. Sem nenhum pudor, o Palácio do Planalto escancara que não está do lado da democracia. A sociedade tem motivo, portanto, para estar alerta. Os liberticidas e autoritários não passarão.
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