Como regra, o sistema de responsabilidade civil brasileiro, seja ele trabalhista ou civil, exige, para a configuração da responsabilidade por danos, a presença de três elementos: dano, nexo de causalidade e culpa lato sensu (compreendido, nessa noção, o elemento dolo e a culpa propriamente dita). Esta modalidade consubstancia a chamada Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva. Entretanto, a legislação civil, incorporando as transformações ocorridas no âmbito das responsabilidade no século XX, deslocou o seu foco de preocupação: no modelo tradicional, o comportamento do agente era determinante, exigindo-se no mínimo culpa e, em alguns casos, “culpa grave” (vide antiga Súmula 229 do STF) para ensejar a sua responsabilização; no modelo contemporâneo, o elemento central passa a ser o dano e a sua reparação. Desse modo, o Código Civil, adotando a chamada Teoria do Risco, passou a prever que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (art. 927, parágrafo único, CC). Nessa hipótese, é desnecessária a avaliação da conduta do agente e a constatação de agir culposo para ensejar a sua responsabilização (Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva). Trata-se de dispositivo geral sobre a responsabilidade civil que se aplica, também, ao Direito do Trabalho, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (Tema de Repercussão Geral 932). Portanto, independentemente da natureza da relação mantida entre as partes, é perfeitamente aplicável o dispositivo em questão se ficar demonstrado que a atividade normalmente exercida implicava, por sua natureza, risco acentuado. No presente caso, considerando que, incontroversamente, a parte autora trabalhava como entregadora de aplicativo (motociclista), é notório que estava submetida a situação de risco maior do que a coletividade em geral, atraindo a aplicação da responsabilidade objetiva, pois a atividade de motociclista envolve exposição permanente a risco de colisões e acidentes de trânsito ao longo de todo o período em que se ativava em sua atividade laboral. A propósito, a legislação brasileira reconhece, expressamente, que “são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a colisões, atropelamentos ou outras espécies de acidentes (…)”, sendo “consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta” (art. 193, caput, inciso III e §4º da CLT). Desse modo, é aplicável a teoria da responsabilidade objetiva, sendo necessário investigar apenas a ocorrência do dano e do nexo de causalidade, independentemente da existência de culpa. Recurso da parte ré a que se nega provimento.(TRT DA 3.ª REGIÃO; PJE: 0010299-13.2022.5.03.0016 (ROT); DISPONIBILIZAÇÃO: 12/07/2024; ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA TURMA; RELATORA DESEMBARGADORA ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI)
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