03 de novembro, 2024

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Algo se move

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O presidente Jair Bolsonaro voltou a participar de uma manifestação golpista em Brasília. Como um general diante de sua tropa, chegou a montar em um cavalo para saudar os camisas pardas travestidos de patriotas que o festejavam e, como sempre, empunhavam faixas em que defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite anterior, o punhado de golpistas armados que acampam na capital federal em apoio ao presidente fez um protesto diante do Supremo, com direito a tochas que remetiam à estética nazi-fascista.

Ou seja, tinha tudo para ser um fim de semana como outro qualquer desde que Bolsonaro e seus celerados seguidores resolveram testar a resistência das instituições ante seus arroubos autoritários, apostando que a maioria absoluta dos brasileiros permaneceria inerte. Mas algo aparentemente se moveu na sociedade.

Enquanto Bolsonaro dava mais uma de suas rotineiras demonstrações de profundo menosprezo pela democracia, alguns grupos foram para as ruas protestar contra o presidente e foram publicados diversos manifestos em defesa dos valores democráticos e republicanos. O mais notável, em todos os casos, foi o caráter suprapartidário de várias dessas manifestações.

No manifesto intitulado Estamos Juntos, por exemplo, milhares de signatários de esquerda e de direita se qualificam como “a maioria dos brasileiros” e conclamam os líderes da sociedade – em especial na política e no Judiciário – a assumir “a responsabilidade de unir a Pátria e resgatar nossa identidade como Nação”.

Outro manifesto, de profissionais do Direito, se intitula Basta!. Afirmam seus signatários que Bolsonaro “exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito e contra a saúde dos brasileiros”. O manifesto diz que “é preciso dar um basta a essa noite de terror”.

Uma terceira nota, assinada pelas principais associações de juízes e procuradores do País, pede que haja “cautela e ponderação” de todos os que “exercem parte do poder estatal”, para que “a democracia, construída a partir de esforços de gerações, possa ser resguardada e aprimorada”. Adverte, contudo, que qualquer “ato que atente contra o livre exercício dos Poderes e do Ministério Público” será objeto de “imediata e efetiva reação institucional”.

Essa reação já está acontecendo. O próprio Bolsonaro, em mensagem nas redes sociais, enumerou todas as medidas tomadas pelo Judiciário contra si próprio e contra seu governo, e declarou: “Tudo aponta para uma crise”. Para o presidente, portanto, há “crise” quando o Judiciário e o Congresso o impedem de governar sem qualquer limite institucional – visão típica de quem “odeia a democracia”, nas duras palavras do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal.

A exemplo dos manifestos da sociedade civil, o ministro Celso de Mello exortou seus interlocutores a “resistir à destruição da ordem democrática”. Para ilustrar esse risco, deu como exemplo a ascensão do regime nazista – que chegou ao poder na Alemanha pela via democrática e, em seguida, arruinou a democracia.

O primeiro passo para evitar essa ruptura é fazer valer o que está na lei. A atitude do Judiciário de investigar as manifestações antidemocráticas bolsonaristas – que, como salientou o ministro do STF Gilmar Mendes, “não são apenas inconstitucionais, mas também se revelam criminosas e por isso têm que ser repudiadas e punidas” – é apenas um exemplo da disposição das instituições sadias de frustrar aventuras golpistas.

Outro passo fundamental é superar momentaneamente as diferenças políticas em favor da preservação da democracia ante a ameaça real representada pelo bolsonarismo. A luta pelo poder deve agora ficar reservada para o período eleitoral. Ante o múltiplo desastre que o Brasil enfrenta – a pandemia de covid-19 e um presidente incapaz de governar e tomado de devaneios liberticidas –, é preciso, como diz o manifesto Estamos Juntos, que os líderes políticos “deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de País”. Que assim seja – do contrário, será a treva.

 

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