Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A Procuradoria-Geral da República (PGR) tem razão ao dizer, em nota divulgada no dia 28/6, que a Operação Lava Jato “não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal (MPF), mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição”. A rigor, o esclarecimento é uma obviedade, mas o fato é que, nos tempos atuais, até as mais comezinhas realidades precisam ser recordadas.
Os muitos méritos da Lava Jato, bem como o prestígio alcançado perante a população, fizeram com que, nos últimos anos, integrantes da força-tarefa agissem como se constituíssem uma corporação autônoma, mostrando-se refratários a qualquer controle sobre a legalidade de seus atos. Tudo o que os contrariava – fosse a decisão de um tribunal superior, uma medida de reorganização interna do Ministério Público ou uma determinada dotação orçamentária – era denunciado como manobra para enfraquecer o combate à corrupção.
Sob essa lógica, não havia disjuntiva. Ou as vontades dos procuradores eram plena e instantaneamente acolhidas ou eles viriam a público revelar mais uma frente para minar a Lava Jato. Apesar do discurso alarmista – o País ouviu integrantes da força-tarefa anunciarem, inúmeras vezes, o iminente fim da Lava Jato em razão de uma determinada decisão judicial ou de uma alteração da lei aprovada pelo Congresso. Mas a Operação continua funcionando.
“Para (a Lava Jato) ser órgão legalmente atuante, seria preciso integrar a estrutura e organização institucional estabelecidas na Lei Complementar 75 de 1993. Fora disso, a atuação passa para a ilegalidade, porque clandestina, torna-se perigoso instrumento de aparelhamento, com riscos ao dever de impessoalidade, e, assim, alheia aos controles e fiscalizações inerentes ao Estado de Direito e à República, com seus sistemas de freios e contrapesos”, diz a nota da PGR.
O alerta da Procuradoria traz mensagem importante não só para os integrantes da Lava Jato, mas para todos os que compõem o Ministério Público, em suas diferentes alçadas. A impessoalidade, a obediência à lei e a sujeição ao escopo institucional traçado pelo Direito são balizas inegociáveis para todo o Ministério Público. Entre os destinatários dessa mensagem se inclui, naturalmente, a própria PGR.
Por isso, se a Lava Jato erra quando se considera acima de tudo e de todos – vendo-se como órgão autônomo e resistindo aos controles sobre a legalidade de seus atos –, a PGR também erra ao atuar fora dos cânones institucionais. Segundo informaram 14 procuradores que trabalham na Operação, na semana passada, em visita a Curitiba, a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo tentou realizar busca informal em arquivos sigilosos da Lava Jato. Nomeada por Augusto Aras, Lindôra é a responsável pelos processos da Lava Jato no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) – cargo que não dá acesso imediato a esse tipo de informação.
Em ofício enviado ao procurador-geral da República e à Corregedoria-Geral do MPF, os procuradores relataram que Lindôra Maria Araújo “buscou acesso a informações, procedimentos e bases de dados desta força-tarefa em diligência efetuada sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado, formalização ou escopo definido”. Também afirmam que, tal como informado pela Corregedoria-Geral, “não há qualquer procedimento ou ato no âmbito da Corregedoria que embase o pedido de acesso da subprocuradora-geral aos procedimentos ou bases da força-tarefa”.
A atitude de Augusto Aras e Lindôra Maria Araújo em relação à Lava Jato levou a que três procuradores que integravam o núcleo da Operação na PGR pedissem demissão. O grupo era responsável pela condução de inquéritos envolvendo políticos com foro privilegiado no STF, além de atuar em habeas corpus movidos na Corte em favor dos investigados e na negociação de delações premiadas.
É estranho que numa instituição, que existe para defender a ordem jurídica, haja tanta resistência, em seus variados níveis, para se submeter à lei. Lava Jato não é órgão autônomo. A atuação da PGR deve respeitar limites e procedimentos legais. A todos, menos voluntarismo e mais lei.
Comentários