Por Notas & Informações
Na terça-feira, o presidente argentino, Alberto Fernández, foi a Brasília de pires na mão pedir água para a combalida economia argentina. Depois de quatro horas de reunião com o presidente Lula da Silva, recebeu um tapinha nas costas e voltou de mãos abanando. Ou nem tanto. Lula disse que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, irá a Buenos Aires costurar um acordo e também ao FMI e ao Banco dos Brics.
Sem dúvida, a recuperação da Argentina é do interesse geopolítico e comercial do Brasil. O país é nosso terceiro maior parceiro comercial e o principal comprador da indústria. No ano passado, o Brasil registrou um superávit de US$ 2,2 bilhões com o vizinho. O colapso de sua economia teria um duro impacto sobre nossa balança comercial.
Apesar de as exportações para a Argentina terem aumentado 20% neste ano, o Ministério da Fazenda estima que mais de 200 empresas brasileiras têm tido dificuldades de receber e reduziram suas exportações. Isso porque os negócios são realizados com dólares, e as divisas do governo argentino sumiram como água na areia. Na mesa de negociação estariam prazos mais dilatados para os importadores pagarem suas compras, a conversão direta das transações em reais e pesos e uma linha de crédito para as exportações.
Os riscos são evidentes. O peso derrete a olhos vistos, ampliando o perigo de perdas cambiais do Brasil. Já a linha de crédito envolveria pagamentos diretos do BNDES aos exportadores brasileiros, com garantia do Tesouro. Tecnicamente, poder-se-ia exigir da Argentina garantias na forma de títulos com liquidez internacional, como títulos de outros países ou contratos de compra de commodities, e, por óbvio, a operação exigiria taxas de juros mais altas. A questão é em que medida a técnica será levada em conta. A julgar pelo histórico e pelas declarações do presidente Lula, não muito.
O modelo não é novo. Nas mãos do PT, o BNDES liberou dinheiro a juros camaradas para empreiteiras brasileiras (quase todas condenadas pela Lava Jato) contratadas por governos estrangeiros. Só os calotes de Cuba e Venezuela somam US$ 529 bilhões. Como o risco foi assumido inteiramente pelo governo brasileiro, o BNDES acionou o Tesouro. Ou seja, o contribuinte não só subsidiou os juros, como cobriu as dívidas dos governos companheiros.
Os argentinos, vale lembrar, têm muitos dólares. Mas estão debaixo do colchão ou em contas no exterior. Os hermanos foram em massa à Copa do Catar e o próprio governo estima que só nos EUA há US$ 300 bilhões aplicados. Se o governo não põe a mão nesses dólares, é porque os próprios argentinos não querem trocá-los pelos pesos corroídos dia após dia por uma inflação que, em ano eleitoral, o governo não tem intenção de controlar aumentando os juros. Mas Lula quer. Afinal, segundo ele, “me comprometi com meu amigo Alberto Fernández que vou fazer todo e qualquer sacrifício para que a gente possa ajudar a Argentina”.
A cortesia – com o chapéu alheio – é grande. Lula promete que vai falar com o FMI para tirar “a faca do pescoço da Argentina”. Como se sabe, essa faca não tem fio. O empréstimo de US$ 42 bilhões à Argentina foi o maior já realizado pelo FMI, e as condições, as mais frouxas de que se tem notícia. Mesmo assim, o Fundo está a ver navios. Lula também quer que Haddad vá ao Banco dos Brics para “sensibilizar o coração” de seus gestores. E se os argentinos não pagarem aos Brics ou ao Brasil? Será que Lula lhes dirá o que disse do FMI, que não podem “ficar cobrando um país que só quer crescer, gerar emprego e melhorar a vida do povo”?
O importante é que Fernández “vai voltar mais tranquilo”, por ora “sem dinheiro, mas com muita disposição política” – supostamente para viabilizar as ambições peronistas nas eleições. Cabe perguntar se um presidente argentino de direita sairia com a mesma disposição. Mas, deixando as especulações de lado, mais importante é indagar quanto a disposição conferida a Fernández custará ao Brasil. Afinal, para ajudar seu “amigo” Lula prometeu “todo e qualquer sacrifício”. A questão é: quem será sacrificado, companheiro?
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