Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A previsão da Instituição Fiscal Independente (IFI) de que as contas do governo central fecharão este ano com superávit primário, o primeiro desde 2013, aponta para uma mudança na tendência das contas públicas e sugere uma situação financeira confortável para o atual governo federal e um quadro fiscal favorável para o que tomará posse em 1.º de janeiro de 2023. Mas será um resultado efêmero. Uma análise mais criteriosa da evolução das receitas e das despesas indicará a persistência de fortes riscos na área fiscal.
A nova projeção da IFI, apresentada em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal de agosto, é baseada em dados conhecidos e previsões bastante fundamentadas sobre a evolução de importantes indicadores econômicos até o fim do ano. Até julho, a IFI, órgão vinculado ao Senado, projetava déficit primário (de R$ 40,9 bilhões) nas contas do governo central. No documento de agosto, a projeção foi revisada para um superávit primário de R$ 27,0 bilhões em 2022. Nos 12 meses até julho, o resultado foi um superávit primário de R$ 110,0 bilhões.
O forte descompasso entre a evolução da receita e a das despesas explica a nova projeção. Ao longo do ano, a arrecadação cresceu 15% em valores reais, enquanto as despesas primárias apresentaram redução real de 1,9%, na comparação com 2021.
A recuperação da economia em ritmo mais intenso do que o previsto (a IFI reviu de 1,4% para 2,0% sua projeção para o crescimento do PIB em 2022), a inflação (que faz crescer mais depressa a base de arrecadação dos tributos) e a alta dos preços das commodities vêm impulsionando as receitas. Também o aumento do emprego formal, que amplia o número de contribuintes do sistema previdenciário, ajuda na arrecadação.
Do lado das despesas, apesar do aumento expressivo de gastos com abono e seguro-desemprego, houve redução no total dos sete primeiros meses do ano, por causa da queda do custo do pessoal e, sobretudo, do corte de 52,3% nos pagamentos decorrentes de sentenças judiciais e dos precatórios. Entre janeiro e julho de 2021, foram pagos R$ 18,1 bilhões a título de sentenças judiciais e precatórios; neste ano, com base na emenda dos precatórios que autorizou o parcelamento da dívida da União reconhecida pela Justiça em sentença definitiva, o volume pago foi reduzido para R$ 8,2 bilhões. Cidadãos e empresas com dívida a receber do governo continuam sendo deixados para trás.
O parcelamento dos precatórios se estenderá até 2026, mas outros fatores que pesam na geração do projetado superávit primário das contas do governo central em 2022 estão perdendo força e talvez não se repitam no ano que vem. E fontes de pressão sobre as despesas surgirão ou se intensificarão no próximo governo.
Dos três principais grupos de receitas de acordo com a classificação da IFI (receitas típicas, receita previdenciária e receitas não administradas), um deles, justamente o das receitas não recorrentes da União, foi o que apresentou o maior crescimento neste ano. Nos sete primeiros meses do ano, saltou de R$ 147,2 bilhões em 2021 para R$ 248,7 bilhões em 2022. É receita decorrente de eventos especiais, que podem não se repetir. Além disso, a atividade econômica deve se desacelerar no próximo ano, de acordo com projeções dominantes no momento; o preço das commodities não deve crescer como cresceu nos últimos tempos; e a inflação tende a se desacelerar.
Já do lado das despesas, a irresponsabilidade com que o governo federal utiliza recursos públicos para tentar conquistar votos para o presidente-candidato, Jair Bolsonaro, já levou à projeção de um buraco de cerca de R$ 147 bilhões no Orçamento de 2023. São promessas como o aumento para o funcionalismo, a manutenção de R$ 600 nos benefícios do Auxílio Brasil e a preservação das emendas do relator conhecidas como orçamento secreto.
O Executivo não planeja e ignora os limites para suas despesas. Outros Poderes agem de modo semelhante quando se trata de assegurar benefícios para si mesmos. O cenário fiscal é reflexo desse comportamento.
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