Com efeito, todo o ordenamento jurídico sustentado no Estado Democrático de Direito veda, veementemente, a prática da tortura que inegavelmente representa violação direta aos direitos humanos. A Constituição da República de 1.988, expressamente, veda a prática da tortura ao dispor que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”(art. 5º, III), além de considerar a prática da tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5º, XLIII). No mesmo viés, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 5º), tanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigos 4º e 7º) como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 5º) caminham no sentido de que ninguém deve ser submetido a tortura, penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes. De acordo com a doutrina, apologia é a exaltação ou elogio a algum fato ou pessoa que pode ser contrária aos princípios da moral, da ordem ou da lei. No caso do crime de apologia ao crime, a apologia é feita em relação a um fato criminoso ou a um autor de crime, com previsão no artigo 287 do Código Penal Brasileiro, que protege o bem jurídico da paz pública. No caso dos autos, incontroversamente, a parte reclamante foi trabalhar trajando uma vestimenta com a foto de um torturador, assim reconhecido judicialmente. A manutenção da justa causa, pela prática deste ato faltoso, se sustenta no dever de coibir e repreender a divulgação e a apologia à tortura e a torturadores, considerando a clara ofensa à dignidade da pessoa humana, princípio e fundamento da Constituição da República (artigo 1º, III, da CR/88), e ao princípio da prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II, da CR/88). O cerne da questão cinge-se à apologia à tortura e à figura de um torturador, o que entende-se inadmissível e capaz de romper a fidúcia necessária à manutenção do vínculo laboral, haja vista que no ambiente de trabalho deve se prezar pela dignidade da pessoa humana, pela prevalência dos direitos humanos, e pelo valor social do trabalho, sendo importante frisar que o direito do trabalho é considerado como meio efetivo para a promoção da justiça social e dos direitos humanos. Conclui-se, portanto, como válida a justa causa aplicada pela prática de ato que deve ser capitulado como inegável insubordinação que não se restringe aos limites das dependências do empregador, atingindo, também e potencialmente, toda a coletividade e a ordem institucional do Estado Democrático de Direito, com o que não pode coadunar nosso ordenamento jurídico. Assim, o ato praticado pela parte obreira representa afronta ao interesse público, de modo que incide ao caso um dos princípios basilares do Direito do Trabalho, expressamente consignado no artigo 8º da norma celetista, segundo o qual “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público” (destaques acrescidos). A interpretação da norma acima transcrita deve ser realizada de forma extensiva, de maneira que é perfeitamente possível sua aplicação ao caso concreto, já que o interesse da parte reclamante (em usar vestimentas com apologia a tortura e torturador) não pode prevalecer sobre o interesse público, sobre o interesse da coletividade, que se realiza no respeito ao Estado Democrático de Direito, às instituições da República e à história do Brasil, que nos conduziu à promulgação de uma Carta Maior que privilegia a prevalência dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do bem comum em detrimento aos interesses particulares. A análise feita no caso concreto, com suporte no artigo 8º da CLT, leva à inequívoca conclusão de que o ato praticado pela parte reclamante é capaz de atingir outras pessoas e de prejudicá-las, notadamente porque atenta contra a sociedade e contra o Estado Democrático de Direito. (TRT DA 3.ª REGIÃO; PJE: 0010998-25.2022.5.03.0106 (ROT); DISPONIBILIZAÇÃO: 15/01/2024; ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA TURMA; RELATORA DESEMBARGADORA ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI)
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