Por Notas & Informações
As audiências de ministros de Estado nas comissões temáticas do Congresso, particularmente da Câmara, têm mostrado ao País a gritante desqualificação de alguns indivíduos para exercer o múnus público do mandato parlamentar. Não fosse isso grave o bastante, têm sido corriqueiras as demonstrações de total desconsideração pelo regime democrático em seus atributos mais comezinhos, como, por exemplo, a capacidade de divergir de adversários com civilidade, vale dizer, com respeito aos eleitores.
Esse quadro desolador não é novo, mas é triste vê-lo pintado com tintas tão vívidas. Os que se dispõem a assistir como entretenimento àquele espetáculo de má educação, falta de decoro e ignorância têm material de sobra para dar boas risadas. O problema é que o Congresso não é picadeiro nem as Casas Legislativas deveriam operar sob a mesma lógica caótica e agressiva das redes sociais.
O governo claudica para articular uma base de apoio que, entre outras coisas, seja capaz de impedir que membros do primeiro escalão sejam convidados dia sim e outro também supostamente para dar explicações ao Congresso. No entanto, a falta dessa base parlamentar mensurável e confiável é problema exclusivo do presidente Lula da Silva e seus ministros. O que interessa para o Brasil é a qualidade da oposição como elemento indispensável para o vigor da democracia no País, assim como a eficácia do sistema de freios e contrapesos.
O que tem acontecido durante as sessões nas comissões temáticas pode ser tudo, menos o saudável controle dos atos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo.
Exemplos nítidos dessa desvirtuação foram as duas ocasiões em que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, compareceu à Câmara para dar explicações sobre políticas públicas de seu Ministério. Tanto a audiência de Dino na Comissão de Constituição e Justiça, no dia 28 de março, como a ocorrida na Comissão de Segurança Pública, no dia 11 passado, foram marcadas não pelo escrutínio republicano das ações da pasta, mas pelos insultos em termos de baixo calão entre deputados que apoiam o governo e os que compõem o chamado núcleo duro do bolsonarismo na Casa. Nesta última audiência, a sessão teve de ser encerrada porque alguns parlamentares estiveram à beira da agressão física.
Diante do show de horror, ao ministro não restou alternativa a não ser levantar e ir embora. “Para cá voltarei quantas vezes forem necessárias, mas desde que haja debate, não esse tumulto”, disse Flávio Dino. Se a oposição bolsonarista, ao convidá-lo, tinha o objetivo de fustigá-lo mais uma vez, com sua truculência só contribuiu para que Dino se retirasse como a pessoa mais sensata do recinto.
Ter ou não ter decoro no exercício do mandato, é bom lembrar, não é uma escolha de deputados e senadores. A liberdade de expressão não é absoluta. A imunidade parlamentar é assegurada pela Constituição para que os congressistas possam exercer seus mandatos com liberdade e independência, sem correr o risco de perseguições de qualquer natureza, inclusive por escrutinarem atos do governo de turno.
O comportamento de uma deputada como Carla Zambelli (PL-SP), que na audiência de Dino na Comissão de Segurança Pública xingou um colega em termos que este jornal não reproduz nesta página em respeito ao leitor, em nada está coberto pelas garantias parlamentares, menos ainda pelos padrões mínimos de decência. À pilha de razões para cassação de seu mandato, somou-se apenas mais uma.
É evidente que muitos parlamentares foram eleitos exatamente por apresentarem esse comportamento indecoroso e ofensivo, como se estivessem imbuídos de uma “missão salvadora” do País contra o que chamam de “establishment político”. Agressão e falta de decoro, no entanto, não são instrumentos legítimos de ação política. A democracia exige respeito aos seus ritos. Se não querem que o Congresso pareça um circo, cabe às lideranças dos partidos e aos presidentes da Câmara e do Senado educar seus arruaceiros com os instrumentos que têm à mão: os Regimentos Internos e a Constituição.
https://www.estadao.com.br/opiniao/arruaceiros-travestidos-de-deputados/
Comentários