16 de outubro, 2024

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As estatais à beira do assalto

Foto: evening_tao - br.freepik.com

A lei estabelece quatro requisitos para os administradores das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias: reputação ilibada, notório conhecimento, experiência profissional e formação acadêmica compatível com o cargo. Também veda vagas nos conselhos ou diretorias a parlamentares, ministros de Estado, secretários estaduais ou municipais, dirigentes partidários ou sindicais e a seus parentes.

São regras elementares de governança projetadas para garantir uma gestão técnica, experiente e eficiente das empresas e blindá-las do aparelhamento e apadrinhamento político. O Estado, como proprietário ou acionista dessas empresas, é o primeiro interessado em que essas regras sejam rigorosamente observadas. Aqueles que querem borrá-las protestam que elas representam uma diminuição do poder do Executivo e “criminalizam” a política. Mas não custa lembrar que elas foram implementadas justamente como uma reação profilática aos crimes perpetrados por políticos e intervenções indevidas do governo.

A lei foi aprovada em 2016 justamente na esteira dos escândalos do petrolão protagonizados nas administrações petistas. A Petrobras não só perdeu dinheiro com investimentos controversos e esquemas que alimentavam o caixa de partidos políticos, como foi usada como instrumento de controle da inflação. Enquanto isso, o BNDES injetava anabolizantes em empresas selecionadas pelo governo – as “campeãs nacionais” – por meio de créditos generosos subsidiados com recursos do contribuinte.

A Lei das Estatais ajudou a moralizar as empresas públicas, profissionalizar sua gestão e submetê-las a critérios de governança comparáveis aos do setor privado. Na sua vigência, foi possível resgatar uma Petrobras mergulhada no vermelho – um passivo de US$ 160 bilhões legado pelas gestões petistas.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, a lei mostrou a que veio. A sucessão de cabeças de dirigentes da Petrobras que rolaram sob as canetadas de Bolsonaro é um testemunho de que o muro de contenção contra intervenções estranhas aos interesses das empresas públicas e, logo, do Estado funcionou. O celeiro de escândalos em que foi transformada a Codevasf – cuja ingerência passa agora por uma nova rodada de barganhas entre o governo e o Centrão – mostra que a lei poderia ser ainda mais aprimorada, com regras mais rigorosas de governança e instrumentos que permitam ao público avaliar o desempenho das estatais, auxiliem a tomada de medidas corretivas e reduzam a margem para corrupção.

O presidente Lula se apresenta como defensor das estatais e justifica suas tentativas de controlá-las apelando à sua “função social”. Mas empresas estatais são antes de tudo empresas, e cumprem sua função social com uma gestão eficiente, que gere empregos e bons produtos a preços justos para o consumidor. O capitalismo de compadrio que busca aparelhar estatais ou cooptar bancos e empresas é sintomático de quem vê o mercado (sem “coração”) não como um jogo de interesses – particulares, sim, mas impessoais – negociados entre investidores, produtores, comerciantes e consumidores, mas sim como uma grande conspiração.

Na retórica ideológica, Lula e Bolsonaro se dizem antagonistas entre si, e ambos antagonizam o Centrão. Mas não por acaso todos convergem no apetite por submeter as estatais ao seu arbítrio. A meta comum de flexibilizar as regras de governança das estatais que garantem uma gestão técnica e eficiente não serve para restabelecer sua função social, mas sim para restabelecer uma espúria função política.

Coube ao Senado conter as investidas de Bolsonaro e dos deputados do Centrão. Espera-se que, ante as investidas de Lula e do mesmo Centrão para dilapidar não só esse marco, mas outros – como o do Saneamento ou a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei das Agências Reguladoras –, ele faça o mesmo.

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