Karina Lignelli
A evolução do mercado de trabalho, que registrou no segundo trimestre a menor taxa de desemprego (6,9%) desde dezembro de 2014, mais o aumento da renda (9,5%) e, em consequência, do consumo das famílias (1,3%), mostram que a economia está aquecida. O resultado do PIB, divulgado na última terça-feira (03) pelo IBGE, confirma isso, com alta de 1,4% entre abril e junho. O destaque no período foi Serviços, com alta de 1%.
Porém, esse crescimento puxado pelo consumo tende a fazer a inflação disparar, desenhando um cenário propício para o Banco Central subir a taxa básica de juros (Selic). Essa análise das perspectivas para a economia foi apresentada pelos economistas Solange Srour e Luciano Telo, do banco de investimentos suíço UBS Global Wealth Management, em reunião do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A resiliência da atividade econômica e do mercado de trabalho explica o tom de cautela nos comunicados do BC, sugerindo novas altas para os juros. Atualmente, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, está em 4,5% em 12 meses, limite superior da meta estabelecida pelo BC.
“A inflação ainda está dentro da banda, mas o mercado está precificando que o BC vai começar um ciclo de aumento de juros, pois a inflação de Serviços permanece como ponto de atenção (5,1% em agosto)”, disse Solange.
Para Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP, com a inflação no teto da meta, já é possível prever um aumento de 0,25 ponto percentual na Selic na próxima reunião do Copom. Segundo ele, juros elevados travam a economia, mas são um remédio amargo para segurar os preços. “O setor de Serviços está crescendo acima do potencial. Obviamente, não dá para crescer sempre estimulando o consumo com programas de transferência de renda, não é sustentável”, explicou Gamboa.
Além da atividade econômica, pesa nas análises do BC as incertezas locais, como a alteração da meta de superávit primário. O governo continua na expectativa de fechar com déficit zero em 2024, mas pode ter dificuldade em cumprir o resultado primário, segundo Solange.
“Tudo depende de o governo finalizar o ano com orçamento organizado o suficiente e também de criar um ambiente político razoável para evitar pautas-bomba”, disse a economista. “Um choque de juros pode desacelerar muito o PIB e trazer mais desestabilização da dívida. É um ajuste que pode ser necessário, porque realmente podemos ter inflação acima da meta, mas é uma política fiscal muito complicada”, alertou.
E tudo isso acontece em um momento também de incertezas relacionadas ao futuro do BC, que a partir do próximo ano terá à frente, provavelmente, Gabriel Galípolo, atualmente diretor de política monetária da instituição. Ele é indicado pelo presidente Lula, que tem criticado fortemente a política de aumento dos juros para conter a inflação.
Segundo Solange, o mercado quer provas de que o futuro BC vai continuar a perseguir a meta de inflação com o novo presidente. Na última reunião, o Copom decidiu interromper o ciclo de queda da taxa Selic, que vinha sendo reduzida desde agosto do ano passado. Atualmente, a taxa está em 10,5% ao ano. Um dos motivos para a cautela foi justamente a inflação com tendência de alta. No último Boletim Focus, o mercado projetava a Selic em 11,6% no final de 2024.
Com a atividade econômica surpreendendo positivamente, o mercado também tem revisado as expectativas do PIB para cima, de 1,5% para 2,4%, destacou Solange. Seu banco, o UBS, também revisou as expectativas para a economia para próximo de 3%.
Nesse cenário de economia aquecida, e se os juros não aumentarem? Se o novo BC seguir a linha de gestões anteriores, como a de Alexandre Tombini (2013), quando a inflação chegou a 15%? “Nesse caso, o aumento dos juros pode voltar mais forte ainda. Inflação é um inimigo político de qualquer governo. Mais cedo ou mais tarde a realidade vai se impor, principalmente quando bater no bolso da classe média”, explicou Gamboa.
IMAGEM: Freepik
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