Por Roberto Gil Uchôa
A fase pós-pandemia trouxe uma inflação global, causada pelo desequilíbrio da demanda e da oferta. De um lado, um público que reconquistava seu direito de ir-e-vir, ávido pelo consumo. Do outro, a descontinuidade de inúmeras cadeias de suprimento, em especial, que envolviam a Ásia. A resposta keynesiana veio dos bancos centrais de vários países, elevando suas taxas básicas de juros. No Brasil, fizemos o nosso dever de casa bem mais cedo que o resto do mundo. A SELIC saltou de 2% ao ano, em março de 2021, para os atuais 13,25% – o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou o corte de 0,50 p.p. em 2 de agosto. Em paralelo, o governo anterior se preocupava em manter a meta de superávit primário nas contas públicas e arrefecer o efeito da alta do petróleo sobre os combustíveis, trazido pela guerra na Ucrânia, negociando a redução nos impostos com os estados.
Quando temos a tríade macroeconômica em harmonia – cambial, fiscal e monetária –, temos um efeito positivo, porém retardado, sobre a inflação. Hoje, colhemos o que foi plantado há dois anos.
Mas vivemos um cenário externo ainda contraditório. Enquanto a inflação persiste no planeta – acima de 3% nos EUA, 5,5% na Zona do Euro e quase 8% no Reino Unido –, forçando medidas monetárias contracionistas dos seus bancos centrais, elevando os juros, observamos as bolsas de valores batendo recordes. Desde o final de setembro, observamos o S&P 500 dos EUA bater 27% de alta, o DAX alemão subir 11% e o FTSE 10,0 da bolsa de Londres, chegar a 4,5%.
Perspectivas para 2023 e 2024
Fato é que que o planeta deve crescer menos neste e o no próximo ano. Tendo como base a expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta para um crescimento global de 2,7% para este ano e 2,9% para 2024, abaixo da média dos dez anos que antecederam a pandemia. O mesmo estudo indica que, para 2023 e 2024, respectivamente, os EUA devem crescer 1,6% e 1%, a Europa em 0,9% e 1,3% e a China, 5,4% e 5,1%. A mesma desaceleração deve ser observada no Brasil, de onde se espera um crescimento de 1,7% e 1,2% para este ano e o próximo.
O mercado brasileiro já dá sinais de expectativas de recuperação. A depreciação do dólar em relação ao real fez com que a moeda americana chegasse à menor cotação dos últimos 14 meses, enquanto o IBOVESPA, índice da nossa bolsa de valores, voltou ao patamar dos 120 mil pontos, superando níveis vistos bem antes das eleições presidenciais.
Com o IPCA caminhando para a meta governamental e queda na SELIC, podemos ter o ambiente perfeito para continuar a queda dos juros futuros da economia – o que incentivaria as grandes empresas a retomar seus investimentos corporativos. Outro vetor importante para as nossas exportações é a perspectiva de aumento internacional dos preços das commodities minerais – Metals & Mining –, endossado pelos estímulos ao consumo da China e o seu bom relatório de produção.
Nesse contexto, temos um ambiente favorável para que a bolsa de valores brasileira possa experimentar novos recordes sucessivos ainda neste ano. A XP Investimentos projeta um IBOVESPA de 128 mil pontos até o final de 2023, enquanto o Grupo Santander aponta 140 mil pontos até o final de junho de 2024. Concretizadas essas projeções, em relação ao fechamento do IBOVESPA de ontem, teríamos um aumento superior a 5% para os cinco últimos meses deste ano e de 15% para o final do primeiro semestre do ano que vem. Em consonância, o Itaú BBA aponta que chegamos ao ponto de indiferença entre renda fixa e ações.
Se a realidade futura materializar todas as projeções atuais, temos oportunidades, tanto na renda fixa, quanto na renda variável.
Cenário de investimentos
Renda fixa
Na renda fixa, há ainda um ambiente para ganhar com o prefixado. Com o Tesouro Direto longo 2029 pagando taxas superiores a 10,5% ao ano, pode-se ganhar de duas formas. A primeira é com a chamada marcação a mercado, ou seja, a queda dos juros futuros confere ao investidor um retorno superior à taxa contratada no período, se quiser se desfazer do papel antes do resgate final ou até a inflação e os juros voltassem a subir. Outra alternativa seria carregar o papel até o vencimento, se os juros não voltassem ao patamar da compra.
Papéis de crédito privado
O mesmo ganho pode ser auferido com os papéis de crédito privado, como as debêntures e os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) ou do agronegócio (CRAs), que também sofrem marcação a mercado. Todavia, estes ativos carregam um risco maior, pois dependem da saúde financeira dos emissores até a sua liquidação final.
Renda variável
Apesar do IBOVESPA crescer quase 22% só este ano, ainda há espaço para os ativos de renda variável. As ações de bancos ainda aparecem no radar de algumas casas de análise. Papeis, como Banco Itaú-Unibanco (ITUB4) e Santander (SANB4) ainda estão aquém de suas cotações da véspera da pandemia. Se tomarmos aqueles valores como referência, a partir das respectivas cotações hoje, as ações preferenciais do Itaú carregariam um potencial de valorização de até 32%; do Santander, 54%.
Com a retomada do preço internacional do minério de ferro, as ações da Vale (VALE3), se retomar sua máxima deste ano, de R$ 98, pode alcançar retorno de 37%, tendo por base a cotação ondem do papel.
Mercado de fundos de índices
Se o investidor tem pouco dinheiro e baixa aptidão ao risco, mas quer reservar um valor mínimo de sua carteira para renda variável, pode partir para o mercado de fundos de índices. As ETFs (ou exchange trade funds) permite investir simultaneamente e vários ativos, aplicando valores menores, acessíveis até a pequenos investidores.
Nessa classe de ativos, temos a SMAL11, que replica o índice das ações de empresas de menor porte (ou smallcaps) na bolsa de valores, o SMLL. Historicamente, este índice volatiliza mais do que o IBOVESPA. Em outras palavras, se temos a perspectiva de crescimento da bolsa, pode-se esperar que o SMLL suba ainda mais. A grande vantagem de se aplicar neste ETF é que o investidor incorpora a média do desempenho de 117 empresas diferentes, sem se aprofundar em análises sofisticadas, que existem um nível de conhecimento técnico acima da média dos investidores.
Há também a opção de internacionalizar parte da sua carteira de investimentos, sem sair do Brasil. Aproveitando a queda da cotação do dólar, que pode retomar seu aumento quando os EUA voltarem a crescer a patamares antes da pandemia. O IVVB11 e o SPBX11 são ETFs que replicam o índice da bolsa de Nova York, o S&P 500. Analisando o gráfico histórico de evolução da bolsa norte-americana, no longo prazo, nunca se perde dinheiro com o índice, salvo movimentos pontuas em períodos muito curtos de tempo.
O segredo está no longo prazo
Muitas pessoas se aventuram no mundo dos investimentos pensando em dar “aquela tacada” que vai lhe transformar em milionários. Isto explica por que o mercado de criptomoedas ganhar milhares de novos adeptos todos os dias, mas expulsa milhares de sonhadores frustrados com a mesma velocidade.
Seja renda fixa ou variável, papéis públicos ou privados, ações ou ETFs, o investidor precisa ter uma estratégia de composição e troca de ativos de sua carteira de investimentos, numa proporção coerente com a sua capacidade de se expor ao risco, em face do retorno esperado. É impossível para qualquer um estar posicionado sempre, o tempo todo, naquele ativo que vai oferecer a maior rentabilidade naquele mês. O mundo dos falidos está cheio de pessoas que juravam ter a resposta para esta prática.
Por isso, a diversificação da carteira é relevante. Quando se aporta uma grana em um ativo, o investidor está exposto a todos os benefícios e riscos que este papel pode oferecer. O que foi bom ontem não será, necessariamente, bom amanhã. A economia muda. Compor sua carteira com ativos diferentes, com características adversas entre si e valores com uma proporção interessante em relação ao cenário econômico vivido, pode gerar, no longo prazo, maiores retornos.
Lembre-se da máxima do megainvestidor Warren Buffett, que sempre mira seus investimentos no longo prazo, seguindo o princípio de se errar o mínimo possível. Com efeito, ao longo de uma vida, você vai errar em algum momento. O importante é saber onde e com quanto se expor, de forma que, se tudo der errado, a perda não o retire do jogo. Busque sempre acertar mais do que errar. Isto fará toda a diferença no futuro.
Roberto Gil Uchôa é Professor e supervisor da Área de Finanças, no IAG – A Escola de Negócios da PUC-Rio
https://www.consumidormoderno.com.br/2023/08/03/cenario-economico-selic-investimentos-pessoais
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