Oferecer condições de trabalho é um tema constitucional, cujos valores se fundam em atender diretamente à dignidade da pessoa humana. Medidas de inserção e reinserção ao mercado de trabalho são tomadas visando à diminuição da informalidade e à inclusão social dos trabalhadores, mas nem sempre alcançam o sucesso desejado.
O impasse atual remonta a 1991, quando a Lei nº 8.213, em seu artigo 93, determinou sistema de cotas para a contratação de pessoas portadoras de deficiência em empresas que tiverem mais de cem empregados. O percentual varia de 2% a 5% do quadro total, sendo a proporção mais alta para as companhias com mais de mil funcionários.
Para se ter ideia, dados referentes a dezembro de 2020 apontavam que 4,7 milhões de brasileiros portadores de deficiência recebiam Benefícios de Prestação Continuada (BPC). Tratava-se de quase 2% da população brasileira recebendo esse auxílio assistencial, pago pelo INSS a idosos e a brasileiros de qualquer idade que sofram de alguma deficiência a qual os impeça de participar de forma plena e efetiva na sociedade — fator que inclui aqueles cuja deficiência não os permita conseguir um emprego.
Devido, inclusive, às dificuldades inerentes, um percentual considerável das pessoas portadoras de deficiência possui baixa taxa de escolaridade e, portanto, de qualificação profissional, encontrando-se em faixas de renda próximas ao salário mínimo.
Paradoxalmente, esse fator acaba dificultando a contração desses trabalhadores, devido à concorrência com o BPC, cujo valor determinado por lei é exatamente o do salário mínimo. O benefício constitui, então, um acréscimo quase integral à renda do portador de deficiência — desde que este não formalize uma relação de trabalho.
Em caso de contratação com vínculo empregatício, o trabalhador perde o direito ao BPC. Caso seja demitido, pode requerer novamente o benefício, mas a demora na reanálise do INSS para nova concessão causa o medo desse trabalhador de retornar ao mercado formal. Assim, ele se mantém na informalidade, garantindo um mínimo por meio do BPC e a renda extra, “por fora” no mercado informal.
Como relatado, com base em dados do próprio INSS, a dificuldade de contratação de pessoas com deficiência decorre, especialmente, da baixa capacitação profissional. Esse fator advém da baixa escolaridade média na infância e na adolescência, devendo ser corrigido ou, ao menos, atenuado, pelo sistema educacional
No meio profissional, as empresas buscam as pessoas portadoras de deficiência e se preparam para suprir suas necessidades, fornecendo condições de acessibilidade, como construção de rampas, adequação de elevadores, banheiros e mobiliários. Além de promover a diversidade, entendendo como essencial a inclusão social, elas terão risco muito menor de sofrer com fiscalização e com a repercussão negativa causada pelo descumprimento de cotas.
Procura sem êxito, multa inválida
Entretanto, quando os contratantes demonstram que foram ao mercado na busca de trabalhadores portadores de deficiência, mas não obtiveram êxito, as decisões judiciais têm caminhado no sentido de invalidar a aplicação de multas. Isso ocorre com frequência em empresas cujas atividades dependem de qualificações específicas — notadamente em conhecimento e uso de ferramentas tecnológicas.
A invalidação das multas ocorre, então, conforme verificamos no exemplo abaixo, em julgamento no TST (Tribunal Superior do Trabalho):
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 — AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO — CRITÉRIO PARA CUMPRIMENTO DO ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/91 – DIVULGAÇÃO EM JORNAL E INTERNET — OFERECIMENTO DE VAGAS
Vislumbrada violação ao artigo 93 da Lei nº 8.213/91, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do recurso negado.
II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 — AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO — CRITÉRIO PARA CUMPRIMENTO DO ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/91 — DIVULGAÇÃO EM JORNAL E INTERNET — OFERECIMENTO DE VAGAS
1. É possível depreender do acórdão regional a mobilização da Autora no sentido de promover campanhas com o intuito de contratar trabalhadores na forma exigida pelo artigo 93 da Lei nº 8.213/91. Há prova nos autos de que ofereceu vagas e procedeu a convocação em jornal e pela internet.
2. Esta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o ônus da empregadora pelo cumprimento das exigências do artigo 93 da Lei 8.213/91, mas de afastar sua responsabilidade pelo insucesso em contratar pessoas com deficiência, em razão dos esforços comprovadamente empenhados. Julgados.
3. O artigo 93 da Lei nº 8.213/91 não especifica as condições de cumprimento da cota legal. Assegura tão-só percentual de contratação de empregados com deficiência. Recurso de Revista conhecido e provido.
(TST – RR – 2249-26.2015.5.11.0014, relator ministro Maria Cristina Irigoyen Peduzzi — Oitava Turma — Publicação DEJT 31/05/2019).”
“Não se pode exigir o impossível”
A atual importância do tema e de suas considerações é explícita nas palavras de outro ministro do TST, Douglas Alencar Rodrigues, em sua palestra devidamente intitulada
A Negociação Coletiva e a Flexibilização das Regras para Cumprimento das Cotas de Aprendizagem e de Pessoas Com Deficiência, na qual abordou a questão, durante evento da Confederação Nacional do Comércio (CNC), no último dia 13 de julho.
“Não se pode exigir o cumprimento do impossível. Nós buscamos seguir o que a lei que prescreve, mas não conseguimos por razões alheias à nossa vontade. Seria razoável punir quem tenta cumprir a lei e não consegue por razões que escapam ao seu controle? A resposta é, obviamente, negativa, mas, mesmo assim, nós assistimos à propositura de ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho”, ressaltou o ministro, no Sicomércio 2023, encontro das federações e dos 1.100 sindicatos patronais da base do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
Destarte, as instituições governamentais deveriam promover medidas de aprimoramento profissional, desde o sistema educacional, para aumento da escolaridade de pessoas com deficiência e sua consequente maior inserção no mercado de trabalho. Trabalhadores e empregadores, todos se beneficiariam dessa inclusão social.
De um lado, o trabalhador seria retirado da informalidade, passando a ter a possibilidade de auferir ganhos maiores do que é pago pelo INSS. De outro, as empresas poderiam auferir benefícios fiscais na contratação desses trabalhadores. Trata-se de uma via de mão dupla que não pode ser desconsiderada.
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