Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A abertura da Brazil Conference – evento anual promovido por estudantes brasileiros de Harvard e do MIT, que conta com a parceria do Estado – dá a medida dos desafios e oportunidades que a crise impõe ao País. Na mesa virtual de debates, os economistas Persio Arida e Eduardo Gianetti trataram de alguns dos principais temas que são e serão discutidos em todo o mundo por lideranças de diferentes segmentos, como o papel do Estado, o drama da desigualdade e a agenda de reformas.
Como lembrou Gianetti, a economia brasileira, assim como a de outros países, “está respirando por aparelhos”, tendo de equacionar três fatores: o suporte da saúde pública, o suporte social e a mitigação dos danos econômicos. O Brasil, em particular, tem especificidades que o fragilizam. “Temos um governo que não merece outro nome senão disfuncional”, com um presidente que manda sinais trocados à população, sabota o seu Ministério da Saúde e está em conflito aberto com os outros Poderes. Isso só agrava a “obscena desigualdade social”, que relega mais de 40 milhões de brasileiros à informalidade, dificultando a operacionalização de transferências de recursos para os mais vulneráveis.
Ao escancarar dramaticamente esta desigualdade e forçar soluções para mitigá-la, “um dos efeitos colaterais da crise”, disse Gianetti, “será acelerar mudanças que já vinham em curso”. O Estado brasileiro arrecada cerca de 33% do PIB – bem acima do padrão dos países de renda média – e gasta quase 40% do PIB. Ainda assim, metade dos domicílios não tem saneamento básico, a vida cotidiana é ameaçada pelo crime e o sistema educacional é precário.
Temos hoje um Estado gigante e disfuncional que promove desigualdades, afirmou Arida. “Como ele faz isso? Nas diferenciações de regimes tributários e pelos elevadíssimos salários do setor público.” O ex-presidente do Banco Central enumerou como pontos críticos a serem alcançados a reforma tributária, a reforma administrativa e a abertura comercial. Mas, apesar de rumores e promessas, eles não foram encampados pelo Planalto.
Com o inevitável crescimento da dívida pública, podendo saltar de 75% para até 100% do PIB, será mais do que nunca necessário assegurar condições de retomada e crescimento sustentável. Para Arida, a proposta fiscalista do governo, segundo a qual a mera contenção de gastos basta para atrair investimentos privados, é “simplória”. Não que não seja necessária. Mas é uma medida defensiva que só tem efeitos se complementada por segurança jurídica, educação e produtividade.
“Para uma agenda de produtividade, a primeira coisa a se pensar é na abertura comercial de bens e serviços”, disse Arida. Além disso, é necessário um programa de privatizações. “Mas uma agenda de produtividade não existe no governo Bolsonaro”, e o plano de privatizações, que nem sequer chegou a ser consolidado, já foi adiado sine die pelo secretário de Desestatização, Salim Mattar.
Em resumo, além da dupla crise – sanitária e econômica –, o Brasil terá de sobreviver a uma terceira – a crise política. Gianetti elogiou a atuação do STF ao garantir a autonomia dos Estados para executar as medidas de contenção da epidemia, e lembrou que é preciso consumar o movimento de descentralização federativa proposta pela Constituição. Segundo Gianetti, ela foi realizada de maneira assimétrica: atribuições do setor público como segurança, educação ou infraestrutura foram devidamente transferidas a Estados e municípios, mas, de um modo geral, a capacidade de tributar permaneceu concentrada na União. “A regra de ouro é a seguinte: o dinheiro público deve ser gasto o mais perto possível de onde ele é arrecadado. Isso é cidadania tributária.”
A boa notícia é que o crescimento depende de “um conjunto de reformas que vão trazer mais igualdade”, disse Arida. “Se o País vai abraçar essa agenda, eu não sei.” A depender do presidente da República, ninguém sabe – e não se saberá, a menos que a sociedade civil e os protagonistas políticos sensatos promovam uma aliança para reparar o barco e pô-lo no prumo, apesar de seu capitão.
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