Os estragos causados pelas “bets” na vida das pessoas são devastadores, como mostraram a série de reportagens deste jornal, chamada Bets – uma aposta de risco, e o editorial Descobriram que as ‘bets’ são um problema (Estadão, 23/9, A3). A literatura científica sobre os dados psicológicos e sociais dos jogos de azar é farta e antiga. Mais recentemente, os estudos vêm focando também o seu impacto econômico. O desequilíbrio nas finanças pessoais determina a queda de produtividade dos jogadores, aumenta o absenteísmo, agrava o desemprego e dispara as despesas do Estado para tratar esse vício. Além disso, há uma expressiva redução do poder de compra dos jogadores e seus familiares (Oregon Health Authority, Impacts of problem gambling on the economy, 2020).
Vários desses problemas já são evidentes no Brasil. Os dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo mostram que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes em 2023 em decorrência de perdas com apostas nestes cassinos online. São pessoas que jogam e usam os cartões de crédito de forma compulsiva e sem controle – como é próprio em todo o tipo de jogo de azar. Os números são espantosos. Em apenas um ano, os brasileiros apostaram cerca de R$ 100 bilhões no Jogo do Tigrinho e outros. Isso tem abalado os orçamentos das famílias e reduzido sua capacidade de consumir, o que impacta negativamente no crescimento econômico e desenvolvimento do País. Para a Febraban, a pandemia das “bets” é uma verdadeira bomba relógio para os orçamentos de milhões de famílias, pois, como dizem os especialistas, esse tipo de jogo causa dependência, como fazem o álcool, o tabaco e a cocaína (Tony Leino e col., The relationship between substance use disorder and gambling disorder, 2023).
Aumento de pessoas perdendo o controle e se tornando jogadores compulsivos se tornou preocupante para a economia do País, especialmente em setores como o varejo Foto: Felipe Rau
Os malefícios econômicos dos cassinos online atingem especialmente os mais jovens e filhos das famílias de baixa renda, o que agrava a pobreza e acentua a desigualdade. Nas reportagens do Estadão há casos de apostadores que perdem nas “bets” o sustento dos seus filhos. Muito triste.
A Portaria n.º 1.475/2024 recém-baixada pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, busca regular as “bets”. Isso é pouco. Os estragos por elas causados vão muito além do seu eventual potencial arrecadatório. Não seria o caso de tratar essa atividade como equivalente ao comércio de entorpecentes?
José Pastore é professor aposentado da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho e membro da Academia Paulista de Letras.
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