Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A campanha oficial para a Presidência da República começou mal. Os dois candidatos que ora lideram as pesquisas de intenção de voto, o petista Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, optaram por inaugurar os atos públicos de campanha, no dia 16 passado, explorando politicamente a fé dos brasileiros, em especial dos evangélicos. É lamentável que tenha sido assim, pois nem um nem outro concorrem à liderança espiritual de alguma denominação religiosa. Lula e Bolsonaro disputam o poder civil em um país democrático, regido por uma Constituição que determina que o Estado é laico, ou seja, não tem um credo oficial.
Religião, portanto, é tema circunscrito à esfera privada, individual. Se há algo que o poder estatal pode fazer em relação à religião é assegurar as condições para a livre manifestação da fé dos cidadãos e combater a intolerância religiosa. Numa República, todos são iguais perante a lei e têm assegurado o direito de professar livremente sua fé religiosa – ou mesmo o direito de não ter fé alguma.
Em Juiz de Fora (MG), no entanto, Bolsonaro reforçou a narrativa absurda segundo a qual a eleição de 2022 será uma “luta do bem contra o mal”. O presidente chegou a dizer que, caso Lula seja eleito, os brasileiros “serão impedidos de falar em Deus”. Aliados seus espalham a mentira de que “templos serão fechados” caso Bolsonaro seja derrotado. A própria escolha da cidade para Bolsonaro dar o pontapé inicial à sua campanha oficial não foi aleatória. O incumbente quis explorar o terrível atentado que sofreu em 2018 como um misto de martírio e predestinação.
Lula da Silva, por sua vez, decidiu marcar posição nessa seara religiosa e usou seu primeiro ato de campanha oficial, em São Bernardo do Campo (SP), para responder aos ataques de seu principal adversário. Na porta de uma fábrica no ABC Paulista, o petista afirmou que Bolsonaro “é um fariseu que está tentando manipular a boa-fé de homens e mulheres evangélicos”, e que, “se há alguém possuído pelo demônio, é esse Bolsonaro”.
O debate público travado assim pelos dois líderes das pesquisas, ao rés do chão, chega a ser um desrespeito aos mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar em outubro. O País tem problemas muito graves a serem tratados. Nenhum desses problemas, nem remotamente, toca a religião. Trazer a religiosidade do povo para as discussões eleitorais não passa de diversionismo de quem tem receio de demonstrar incapacidade para enfrentar temas muito mais prementes para a sociedade. É tática de quem não tem o que dizer ou mostrar.
Há milhões de brasileiros passando fome e outros tantos milhões vivendo em insegurança alimentar. O desemprego segue em patamar elevado. A inflação, em que pesem reduções pontuais de alguns preços, corrói a renda dos trabalhadores. O que será feito da educação pública após a razia promovida por Bolsonaro no Ministério da Educação? Como recuperar a reputação internacional do País na defesa do meio ambiente? Quais os planos de cada candidato para revitalizar o Sistema Único de Saúde (SUS)? O que será feito para resgatar a parte do Orçamento que foi capturada por um punhado de parlamentares oportunistas para satisfazer interesses nada republicanos? Essas são questões de altíssima relevância, entre outras, mas nenhuma delas foi tratada por Lula nem Bolsonaro nos marcos iniciais de suas campanhas.
A religião é um componente muito importante na vida de milhões de brasileiros. Isso é incontornável. Religião transmite paz, acolhimento, traz conforto espiritual diante das atribulações da vida. Religião oferece um norte moral. No entanto, religião não é tema para ser debatido em campanha eleitoral.
A bem da verdade, a campanha eleitoral oficial apenas começou. Oxalá todos os candidatos, sem exceção, concentrem-se em apresentar ao público – inclusive comparecendo aos debates – suas ideias e seus planos para governar um país que há quatro anos se ressente de não ter um governo digno do nome e que vive dependente da misericórdia divina.
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