13 de outubro, 2024

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Cinco facetas do tiro no pé bolsonarista

A estupidez e boçalidade dos atos golpistas deste domingo, 8, em Brasília são tão óbvias e patentes que nem é preciso ser um analista profissional do cenário político para classificá-las como um gigantesco tiro no pé do bolsonarismo.

Mas o cientista político Carlos Melo, do Insper, vai um passo além e faz uma radiografia pormenorizada desse tiro no pé de um movimento político que em outubro colheu quase 50% dos votos do eleitorado brasileiro.

De início, ele aponta que a invasão do Planalto, Supremo e Congresso e os atos de vandalismo cometidos reforçam mais uma vez que, no fundo, o núcleo mais fervoroso do bolsonarismo não tem estratégia, mas se trata simplesmente de uma força bruta, estúpida e até despolitizada em certo sentido – neste último caso, exatamente por viver numa bolha de fake news e não ter noção das consequências políticas dos seus próprios atos.

A partir desses comentários iniciais, Melo aponta cinco aspectos relevantes do erro brutal cometido pelo bolsonarismo.

O primeiro que ele cita é o fato de que boa parte da mídia passou a chamar os manifestantes de “terroristas”, o que, em sua opinião, já deveria ter sido feito antes. Essa caracterização reforça o sentimento de repulsa aos atos bolsonaristas em diversas dimensões da sociedade.

Em segundo lugar, Melo avalia que, longe de atingir Lula, os atos golpistas de domingo fizeram algo que não acontece no Brasil há pelo menos quatro anos, talvez mais: aproximaram os três Poderes, irmanados no repúdio e na reação à barbárie bolsonarista.

Se apenas o Planalto tivesse sido invadido, raciocina Melo, com certeza os outros Poderes iriam repudiar a ação e se solidarizar, mas algo bem diferente é serem vítimas simultaneamente do ataque das hordas golpistas.

“Pela primeira vez em quatro anos nós temos os três Poderes agindo em completa consonância em relação a pelo menos um ponto da pauta”, comenta o cientista político.

O terceiro ponto é o efeito na população e no eleitorado. Lula assumiu o governo do País numa quadra particularmente difícil em termos sociais, econômicos e políticos, e com quase metade do País votando contra si de forma particularmente hostil – o voto em Bolsonaro geralmente vem envolto em profundo antipetismo.

Embora evite superestimar o significado das redes em termos da sociedade em si, Melo aponta que pesquisas na internet realizadas ainda no domingo mostravam repúdio de 90% da população aos atos golpistas de Brasília. Parece quase certo dizer que boa parte dos eleitores de Bolsonaro não aprova os atos, o que pode contribuir para um processo de tornar o bolsonarismo minoritário na sociedade.

Em quarto lugar, o vandalismo golpista do domingo aproxima a União dos Estados, reforçando o combalido federalismo brasileiro. Nenhum governador quer ver as cenas lamentáveis de destruição e barbárie de Brasília se repetindo nos seus próprios Estados. Mesmos governadores bolsonaristas ou de alguma forma próximos ao ex-presidente, como Cláudio Castro (Rio de Janeiro), Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ronaldo Caiado (Goiás), já manifestaram inequívoco repúdio à balbúrdia bolsonarista.

É provável que os governadores em geral reajam de forma mais firme com suas polícias militares a outros atos golpistas, como bloqueio de estradas e paralisação de refinarias. Melo nota que não se ouviu “quase nenhum pio” contra a intervenção na segurança do Distrito Federal e o afastamento por 90 dias do governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. E a situação legal de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e exonerado no próprio domingo do cargo de secretário de Segurança do DF, é muito delicada.

O quinto e último aspecto do tiro no pé ressaltado por Melo, finalmente, é a forte reação internacional aos atos golpistas. Alguns dos mais importantes chefes de Estado do mundo manifestaram seu repúdio à ação bolsonarista e seu apoio a Lula, o presidente democraticamente eleito -, incluindo a mensagem de Joe Biden, presidente da Nação mais poderosa do mundo.

O cientista político do Insper destacou também a mensagem forte, em português e bem específica de Emmanuel Macron, presidente da França, inclusive colocando a França à disposição de ajudar o governo democraticamente eleito do Brasil, caso necessário. Até Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana oriunda da extrema-direita, repudiou os atos golpistas em Brasília.

A importância da intensificação do isolamento internacional do bolsonarismo, aponta Melo, é seu efeito nas Forças Armadas brasileiras. O cientista político nota que há setores, mesmo que minoritários, fortemente bolsonaristas nas Forças Armadas e nas Polícias Militares. O repúdio praticamente unânime das principais potências democráticas ocidentais e dos países mais próximos da América Latina ao atos bolsonaristas de ontem deixam ainda mais claro aos detentores legais do monopólio da violência no Brasil que qualquer tentativa de violar a institucionalidade democrática no País seria uma aventura louca e muito provavelmente fadada ao fracasso.

Para Melo, a ideia de que Lula possa ter perdido algo nesse episódio pelos que julgam que a reação do governo não foi suficientemente firme é uma falsa questão. Por toda a análise do cientista político, Lula ganhou muito, mas sem dúvida o herói do momento é Alexandre de Moraes, para quem o vandalismo golpista serviu como perfeita justificativa e coroamento da sua estratégia de enfrentamento sem conciliações ao militantes antidemocracia.

Finalmente, ainda que juridicamente uma “extradição” de Bolsonaro dos Estados Unidos ainda não se coloque, o pedido de expulsão do ex-presidente por parlamentares americanos pode tornar a sua situação nos Estados Unidos menos confortável.

Em resumo, na visão de Melo, o ataque à democracia promovido no domingo “reorganizou as instituições e o sistema político contra o bolsonarismo”.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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