Karina Lignelli
Dentro do universo omnichannel, dados, inteligência artificial, metaverso e outras ferramentas e artifícios foram surgindo para atender a um cliente cada vez mais exigente, engajado e conectado, que busca sortimento, comodidade, atendimento veloz e ofertas personalizadas.
Mais do que produtos, esse novo consumidor busca uma jornada de compra agradável, desde o momento em que ele conhece a empresa até o suporte que receberá após adquirir o bem ou serviço. Tornar esse processo satisfatório passou a ser uma tendência perseguida pelas empresas, e ganhou o nome de customer experience, ou experiência do cliente.
Exemplo de quem apostou nisso é o Magazine Luiza: pioneira em transformação digital no mercado brasileiro, investiu pesado e até criou um laboratório de inovação (o Luiza Labs) para reestruturar o modelo tradicional de venda de eletrodomésticos a prazo, se tornando uma empresa de tecnologia.
Digitalizou as lojas físicas, desenvolveu uma plataforma de vendas e, de olho na experiência (e na fidelização) dos clientes, criou a Lu, assistente virtual que teve a “incumbência” de ensinar os consumidores a usarem as ferramentas e guiá-los em sua jornada de compras.
Hoje, mesmo com o sobe-e-desce de suas ações na Bolsa, e até por registrar prejuízo no primeiro trimestre deste ano por conta de fatores externos de mercado, como juros altos e inadimplência, o Magalu continua a ser o grande case de varejo tanto em transformação digital quanto em experiência do cliente.
A loja física ainda mantém sua relevância ao oferecer interação humana, experimentação, sensações e até agregar serviços ao seu modelo de negócio. Mas é claro que esse processo é facilitado se tiver ajuda do digital, seja investindo em tecnologia ou simplesmente vendendo pelo Whatsapp.
Mas, independentemente do porte desse comércio, para elevar o nível da experiência do cliente e sempre atender às suas expectativas é preciso mirar na questão cultural, segundo o especialista em varejo Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Assim como o Magalu, que fez um amplo trabalho de mudança corporativa interna para todos na empresa passarem a pensar no digital.
“Quando falo cultural, isso passa pelas lojas físicas, que precisam entender os canais digitais como parceiros, e não como concorrentes de vendas”, destaca.
Na entrevista abaixo, Eduardo Terra explica como essa movimentação pode influenciar positivamente o quesito “experiência”:
DC – Como a evolução do omnichannel avançou em direção à experiência do cliente?
Eduardo Terra: Lá atrás, o varejo era monocanal, por loja, por catálogo, por venda direta, por telefone… sempre existiu em mais de um canal, mas nunca integrado. Raramente o varejista atuava em canais diferentes.
Depois, veio a multicanalidade, quando os varejistas passaram a atuar em mais de um canal além do principal. Somente com a internet, com o inicio do e-commerce, no Brasil, eu diria de 15 para 10 anos, começou-se a discutir integração dos canais, que é a tal omnicanalidade.
Ou seja, como estamos falando do mesmo cliente, ele não pode perceber aquela marca operando de forma distinta em dois canais, com preços diferentes e políticas de troca diferentes. Então ele comprava on-line, depois aparecia na loja para trocar ou vice-versa.
Porém, às vezes ele queria comprar on-line para retirar na loja, e aí começava uma jornada sem muita tecnologia, nenhuma cultura e sem nenhum processo de omnicanalidade, mais de intenção do que de ação. Mas que de lá para cá vem avançando em tecnologia, processos e cultura.
De que forma?
Com inteligência artificial, dados e uma série de coisas que ajudam nesse processo, mas principalmente na questão cultural. E quando falo cultural, passa pelas lojas físicas, que precisam entender os canais digitais como parceiros, e não como concorrentes de vendas. E que as lojas podem vender o que está na internet ou no marketplace, pois isso pode agregar negócios.
A loja precisou entender que o cliente que vai retirar presencialmente pode comprar a mais, e isso é um acréscimo de vendas, e não um tumulto ou problema. Agora estamos no meio dessa jornada, de uma jornada sem fim, claro. Mas acho que o varejo, o comércio, já avançou bastante.
Como essas mudanças impactaram aquele comerciante tradicional, e como estão hoje?
Quando se fala do comerciante tradicional, a gente tem o antes e o depois da pandemia. Até um pouco antes, toda a discussão de transformação digital, marketplace, e-commerce era muito mais uma opção do que uma necessidade, para quem quisesse oferecer algo a mais.
Na pandemia, aquela lojinha de rua tradicional, análogica, teve de fazer algo digital nem que fosse se espetar a um marketplace, começar a vender pelo Whatsapp… ou então ela morreria. A verdade é que algumas morreram mesmo porque não fizeram isso, e outras tiveram que aprender e fazer na marra.
E quando passou a pandemia, e as coisas voltaram, todo aquele esforço de estar em um marketplace, de vender pelo Whatsapp, não ficou para trás: só diminuiu um pouco a intensidade. Então nós estamos agora num platô, mas muita gente aprendeu e entendeu que, vendas por canais digitais, integrados a tudo o que se faz na loja física, pode e deve ser interessante para os negócios.
Em resumo, a pandemia foi um acelerador dessas mudanças. O que aconteceria em cinco anos aconteceu em alguns meses, e transformou algo que era opcional em obrigatório.
Hoje, a relação do consumidor com a loja, tanto física como virtual, não se resume mais a um simples ato de compra e venda, mas a uma jornada que envolve sentimentos, preferências, atendimento, navegabilidade rápida pelo site, personalização, etc. Como garantir a experiência do cliente nesse contexto?
Diria que, com a digitalização da jornada, ela independe de comprar on-line. A digitalização é muito grande dentro dessa jornada, já que o cliente começa o processo de compra de um produto ou serviço, e grande parte das vezes em um meio digital, seja no Google, seja numa rede social, seja num Whatsapp. Foi isso que fez com que, como consumidores, nosso engajamento com questões rápidas, informações em tempo real e personalização subissem muito a régua.
Então, hoje a experiência que o consumidor tem como expectativa é muito, muito maior do que há 10, 15, 20 anos. Outro dia vi um exercício que mostrou o que era uma compra digital 10 anos atrás: parecia da Idade da Pedra. Como hoje há muito avanço nesse sentido, é assim que as coisas têm de ser encaradas para garantir essa experiência.
Em muitos polos de comércio, como a 25 de Março, há comerciantes que ainda resistem e preferem vender do modo tradicional, sem grandes (ou nenhum) investimentos em tecnologia. Eles estão fadados a ficar para trás ou depende do tipo de negócio?
Temos de pensar em digitalização no varejo, e não em e-commerce. Pegando a própria 25 de Março, e o “efeito Whatsapp” na 25 de Março, se você desligar o app as vendas caem pela metade, eu te garanto. E se não usar rede social, Instagram, é a mesma coisa. Muitos estão no Mercado Livre… São três exemplos que mostram que sim, nesses locais tem muita tecnologia para atender às necessidades do cliente. Ela só não é a mesma dos demais negócios.
Quem é o comerciante do século 21?
É alguém que olha para o cardápio, o menu de tecnologia à sua disposição, e adere ao que faz sentido para o público dele, os negócios dele, para onde está. É aquele que não resiste, entende e adota.
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/comercio-sem-cultura-digital-perde-chance-de-ampliar-vendas
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