Artigo – No filme da inflação, alimentos não podem ser vilões

(*) Alvaro Furtado

 

Ir ao supermercado é uma tarefa cotidiana, mas que tem exigido cada vez mais planejamento financeiro de grande parte das famílias brasileiras. Exceto, infelizmente, para as pessoas que sofrem com a insegurança alimentar, estimadas em mais de 20 milhões, que nem isso conseguem fazer.

 

Com a inflação na casa dos dois dígitos, o preço dos alimentos tem batido sucessivos recordes. Mas será que os alimentos são os vilões desse filme de terror, que já vimos por anos a fio, poucas décadas atrás?

 

Para entender até onde essa situação pode chegar, é importante considerar alguns sinais. O Brasil tem registrado recordes de desemprego e crescimento do subemprego, a renda está mais baixa, o auxílio emergencial está próximo do fim e a produção industrial ficou mais cara por conta das tarifas de energia e da alta do combustível. E ainda há o efeito das mudanças climáticas e da pandemia, porque a vacinação começou tarde e segue muito lentamente.

 

Não bastasse, o dólar mais atraente estimula as exportações, em detrimento do abastecimento do mercado interno. Muitos países, ao longo da pandemia, seguraram seus estoques de alimentos, enquanto o nosso país prosseguiu com as exportações. Assim, com pouca oferta e muita demanda, os preços sobem.

 

O resultado é que o Brasil, país capaz de alimentar o mundo, segue com o agronegócio batendo sucessivos recordes positivos, enquanto a miséria aumenta dentro de suas próprias fronteiras.

 

Trata-se de uma situação altamente complexa. Para manter uma estabilidade de preços, o poder público precisa desenvolver um sistema capaz de atender a demanda, que determine o aumento da produção e a regulação dos estoques, se necessário, exportando menos.

 

No comércio, ainda que a maioria dos estabelecimentos faça um esforço para evitar e intensifique as negociações e a troca de fornecedores, o aumento acaba sendo repassado pelos supermercados. Com os preços em alta a cada semana, o consumidor se vê perdido, sem referência.

 

É o que demonstra recente sondagem do Sincovaga, que indicou que o preço de um mesmo item da cesta básica pode variar até 180% na capital paulista e a cesta inteira, com 16 produtos, pode sair até 40% mais cara, dependendo do estabelecimento e da região escolhidos.

 

Produtos como fubá e sal (100%), extrato de tomate (79%) e farinha de trigo (71%) tiveram as maiores variações de preço no levantamento. Isso significa que a velocidade com que os preços aumentam está muito acima da capacidade financeira das famílias. Há produtos, mas não renda.

 

Alguns itens, como arroz, feijão e carne já apresentam queda nos preços, mas porque subiram tanto que as pessoas deixaram de consumir. A primeira atitude dos consumidores é substituir o produto, a segunda é reduzir e a terceira é abrir mão. No caso do alimento, é uma situação ainda mais crítica, pois afeta a saúde. É um círculo vicioso que não se pode admitir.

 

A possibilidade de nova ajuda governamental para as populações carentes e no limite da miséria pode vir a ser, caso vingue, um alívio, mas, com a inflação alta e com o custo dos alimentos básicos ainda acima de qualquer expectativa, não passará de paliativo.

 

2021 já é um ano perdido e só em 2022 deverá e quem sabe poderá haver certa recuperação econômica. O difícil é ver e não só saber que quem tem fome não pode esperar que as engrenagens voltem a girar.

 

Para esses nossos irmãos brasileiros, um simples dia faz a diferença, pois significa comer ou passar fome.

 

Alvaro Furtado é presidente do Sincovaga (Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de S. Paulo).