Por Notas & Informações
O Palácio do Planalto tem cortado um dobrado para barrar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a tentativa de golpe de Estado no 8 de Janeiro. Partidos de oposição ao governo já reuniram mais assinaturas do que o mínimo necessário para levar a CPI adiante, tanto na Câmara (191) como no Senado (35). Em reação, o presidente Lula da Silva foi às compras e passou a negociar cargos no segundo escalão da administração pública federal em troca da convicção de alguns dos signatários.
O tempo vai dizer se esse toma lá dá cá evitará a instalação da CPI, mas algumas coisas já estão bastante claras. Em primeiro lugar, está-se diante de um governo politicamente debilitado, pois incapaz de articular uma base de apoio congressual mínima para barrar o movimento da oposição ainda no nascedouro. O Palácio do Planalto dissemina a ideia segundo a qual a instalação de uma CPI “neste momento” – como se houvesse um “momento apropriado” para a instalação de qualquer CPI – atrapalharia as votações de projetos importantes para o País, como os que tratam da nova âncora fiscal e da reforma tributária.
De antemão, cabe perguntar: que projetos seriam esses? O governo ainda não os apresentou ao País – nem qual será o novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos nem tampouco o modelo de reforma tributária que defende. Ademais, se não reúne quantidade de votos nem sequer para abafar a instalação de uma CPI tão indesejável, o governo não deveria acalentar otimismo quanto às perspectivas de aprovação de qualquer projeto de seu interesse.
Em segundo lugar, se os requisitos constitucionais para sua instalação estão preenchidos, a CPI do 8 de Janeiro naturalmente deve ser instalada pelo presidente do Congresso. No regime democrático, as comissões parlamentares de inquérito são instrumentos legítimos à disposição da oposição. O próprio número de assinaturas mínimas para sua instalação indica que se trata de um mecanismo de defesa das minorias parlamentares. Se ao governo não interessa o avanço de determinada CPI, que trabalhe mais e melhor para construir e organizar sua base de apoio no Congresso.
Por último, mas não menos importante, interessa muitíssimo à sociedade saber tudo o que, de fato, está por trás dos infames atos golpistas do 8 de Janeiro, da preparação ao desfecho trágico. É bem verdade que já há investigações em curso na esfera jurídico-penal, mas isso em nada interdita a abertura de uma nova frente de investigação de natureza política, sobretudo porque, convenhamos, o mundo político foi profundamente afetado pelo assalto às sedes dos Poderes da República. Se atos como aqueles praticados no 8 de Janeiro não ensejam a instalação de uma CPI, o que, afinal, haveria de ensejar?
Essa constatação conduz à necessária responsabilidade do Congresso nesse momento grave. A CPI, caso venha a ser instalada, deve se prestar a investigar atos concretos praticados pelos golpistas, identificando e denunciando cada um deles na medida de suas responsabilidades e, principalmente, oferecendo ao País, ao final dos trabalhos, novos marcos legislativos aptos a coibir a ocorrência de eventos similares no futuro. A comissão presta-se ao inquérito, não ao tumulto.
Como sói acontecer em qualquer comissão parlamentar de inquérito, decerto haverá o show protagonizado por congressistas histriônicos mais interessados nas manchetes dos jornais e na bagunça das redes sociais do que na investigação propriamente dita. É do jogo político. No caso particular da eventual CPI do 8 de Janeiro, é óbvio que o interesse da oposição é atribuir a responsabilidade pelos tumultos ao governo que mal havia começado, acusando o ministro da Justiça, Flávio Dino, de suposta omissão e levantando suspeitas de que petistas infiltrados organizaram a bagunça, para disso extrair vantagens políticas. Caso se preste a isso, a CPI será uma descomunal perda de tempo. Infelizmente, não será a primeira.
https://www.estadao.com.br/opiniao/cpi-e-atestado-de-fraqueza-do-governo/
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