A cidadania, condição de quem tem direitos e deveres perante o Estado, independe de atributos físicos. Pessoas com deficiências mentais, físicas, intelectuais, sensoriais ou de qualquer outra natureza são cidadãos, o que significa que devem ter acesso às mesmas oportunidades que o restante da população. Nas últimas décadas, o Brasil avançou em políticas inclusivas, mas ainda há muito por fazer − como bem mostraram dois episódios na recente celebração do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, em 21 de setembro.
Em Brasília, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu a visita de 60 estudantes com diferentes tipos de deficiência. O grupo esteve no Museu do Voto e pôde conferir aperfeiçoamentos e ferramentas para tornar o processo eleitoral mais acessível. A partir do pleito deste ano, as urnas eletrônicas exibirão a imagem de uma intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) com informações para auxiliar eleitores surdos. Já o sintetizador de voz disponível para deficientes visuais passou por melhorias. E as teclas da urna seguem identificadas também em braile.
Quanto mais representativa, mais a democracia se fortalece. Logo, o TSE acerta ao tomar iniciativas para garantir o direito ao voto por parte de eleitores com deficiência. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,3 milhões de pessoas com idade de 2 anos ou mais tinham deficiência em 2019. O dado é da Pesquisa Nacional de Saúde e corresponde a 8,4% da população nessa faixa etária. Entre idosos, essa proporção era bem maior: 24,8% na faixa de 60 anos ou mais.
Apesar dos avanços, o Brasil ainda convive com profundas iniquidades no que diz respeito a quem tem deficiência. Também no mesmo Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, o IBGE lançou uma publicação com dados de diversas áreas, destacando disparidades de renda e de empregabilidade. Proporcionalmente, esse segmento da população está menos presente no mercado de trabalho e recebe, em média, salários mais baixos.
O balanço do IBGE, intitulado Pessoas com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil, jogou luz sobre outro aspecto: o despreparo de grande parte das escolas brasileiras para receber alunos com deficiência. No caso dos anos iniciais do ensino fundamental, período em que se dá (ou, pelo menos, deveria) a alfabetização das crianças, apenas 55% dos estabelecimentos educacionais tinham infraestrutura adequada. Ou seja, quase metade (45%) não tinha. Não é difícil imaginar o impacto negativo que a falta de condições mínimas de acessibilidade em tamanha quantidade de escolas há de provocar na formação dos estudantes com deficiência.
Aqui se percebe o papel transformador que políticas públicas bem desenhadas e executadas podem desempenhar. Porque, ao contrário de outros tantos desafios da educação brasileira, dotar as escolas de infraestrutura mínima para alunos com deficiência está longe de ser uma tarefa complexa que só possa ser executada a longo prazo.
Diante de situações como essa, fica evidente também o mal que a gestão desastrada de órgãos como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC), é capaz de gerar. Do mesmo modo, é problemática a destinação de bilhões de reais para as emendas de relator do chamado orçamento secreto, que privilegiam as bases eleitorais de parlamentares aliados do governo em detrimento de políticas públicas que poderiam verdadeiramente melhorar a infraestrutura das escolas ou sanar as demais carências das redes públicas de ensino. Isso sem falar nos casos de corrupção pura e simples de que o FNDE e o MEC têm sido fartamente acusados nos últimos tempos.
Reduzir desigualdades e promover a cidadania, para toda a população, são deveres do poder público em todos os níveis e instâncias de governo. Mais ainda quando se trata de pessoas com deficiência, que enfrentam dificuldades adicionais em seu cotidiano e em seu desenvolvimento pessoal. O modo como o País trata seus cidadãos com deficiência é um bom indicador de seu estágio de civilização e de democracia.
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