09 de outubro, 2024

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Denúncias genéricas, um velho e grave problema

Por Notas & Informações

As denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) em relação aos atos do 8 de Janeiro ignoram as condutas individuais e foram redigidas em bloco, muitas vezes com textos idênticos, mostrou reportagem do Estadão. Com razão, muita gente tem criticado esse modo de proceder do Ministério Público, que revela uma apuração frágil e traz problemas sérios. Para que possa se defender adequadamente, toda pessoa tem o direito de saber do que está sendo acusada efetivamente, isto é, qual ação (ou omissão) suscitou a denúncia contra ela.

Eventos multitudinários, como os atos do 8 de Janeiro, trazem dificuldades especiais para identificar o que cada pessoa fez. Em alguns casos, talvez seja mesmo impossível fazer uma descrição detalhada do comportamento de cada um dos envolvidos. No entanto, é inegável a existência de muito material gravado pelas câmeras de seguranças dos edifícios públicos, além de que os próprios invasores das sedes dos Três Poderes compartilharam nas redes sociais sua atuação criminosa. É possível, portanto, identificar as ações concretas de muitas pessoas – e isso deveria constar das denúncias.

Reconhecer esse equívoco no modo de proceder da PGR não significa defender a impunidade dos invasores. É justamente o contrário. Para que os crimes praticados no 8 de Janeiro não fiquem impunes, é imprescindível que o Ministério Público utilize todos os elementos de prova disponíveis, sem deixar-se levar pela precipitação ou por eventual pressão da opinião pública. Mais do que aparentar proatividade ante os atos golpistas, é preciso ser efetivamente zeloso, atuando dentro da lei, sem atrasos e sem afobações.

Cabe advertir, no entanto, que denúncias genéricas ou investigações frágeis não são problemas exclusivos dos procedimentos relativos ao 8 de Janeiro. Não é nenhuma discriminação ou perseguição do sistema de Justiça contra os bolsonaristas. A questão é prévia e mais profunda. Habitualmente o Estado tem imensas dificuldades em apurar crimes.

Essa deficiência investigativa é facilmente admitida quando se trata de criticar a impunidade no País ou o baixíssimo grau de resolução dos homicídios, por exemplo. Mas ela também gera outro efeito, muito presente no dia a dia da Justiça: a apresentação de denúncias frágeis e genéricas, baseadas em elementos probatórios falhos.

A rigor, isso não é nenhuma novidade. Se não investiga bem, o Estado necessariamente não tem condições de oferecer uma denúncia adequada. Como os últimos anos mostraram abundantemente, não há delação capaz de suprir a falta de investigação. Sem apuração, o resultado é um só: denúncias genéricas, frágeis e, muitas vezes, inconsistentes. Essa realidade, que agora, com as denúncias da PGR sobre o 8 de Janeiro, revolta a muitos, é sentida diariamente pela população mais pobre, especialmente pelos negros.

O problema não é apenas da polícia ou do Ministério Público. A Justiça tem sido conivente com denúncias malfeitas. Como disse ao Estadão o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, coordenador do grupo que apresentou as acusações relativas ao 8 de Janeiro, “a jurisprudência admite a narrativa genérica da participação de cada agente”. Trata-se de uma questão séria. No curto prazo, a concordância do Judiciário com esse tipo de prática esconde a deficiência investigativa. O caso termina com uma condenação, dando a entender que o crime foi solucionado adequadamente. No médio e longo prazos, ela alimenta o círculo vicioso, uma vez que a polícia e o Ministério Público ficam sem incentivos para atuarem de forma diferente.

Como era de esperar, os procedimentos criminais do 8 de Janeiro não estão isentos das muitas deficiências que se observam diariamente no Judiciário. Mais do que transigir com abusos ou defender que esses processos tenham tratamento privilegiado, é tempo de exigir uma melhora de todo o sistema de Justiça, a começar pela investigação, que é a base de tudo e deve alcançar também os possíveis mandantes.

 

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