Por Notas & Informações
Pagar a conta de luz ou comprar bens de consumo – esta vem sendo uma escolha obrigatória para 72% dos brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha para a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). Economizar eletricidade, uma das providências possíveis para atenuar o problema, acaba sendo uma solução menos eficiente do que pode inicialmente parecer. Afinal, o preço da eletricidade está embutido também no custo dos produtos consumidos. A energia elétrica representa, em média, 23,1% do preço da cesta básica no Brasil, de acordo com estudo encomendado pela Associação de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e divulgado em julho.
Custos diretos e indiretos da eletricidade são obviamente mais pesados para famílias de menor renda, aquelas normalmente mais afetadas pela inflação. As tarifas de energia elétrica até diminuíram para a maior parte das famílias, nos últimos meses, graças à redução de impostos, mas o aperto orçamentário continuou. Tem-se discutido se a situação dos consumidores poderia melhorar, se houvesse mais empresas fornecedoras de eletricidade e se eles pudessem escolher de quem comprar. Essa discussão pode ser relevante para todos ou quase todos os tipos de consumidores, familiares ou empresariais, mas o problema real, no Brasil, é mais complicado.
No último ano, 44% dos brasileiros deixaram de pagar alguma conta de luz, segundo a pesquisa do Datafolha, mas às vezes é preciso cortar alguma compra. Não se pode, no entanto, vincular esse dilema apenas ao custo da eletricidade. A conta de luz foi posta de lado, em algum momento, provavelmente porque a alternativa seria o corte de algo inadiável, como comida, por exemplo.
O custo da eletricidade, assim como o do gás, é um problema especialmente grave, no Brasil, porque a maior parte das famílias é pobre e porque, além disso, a inflação raramente dá alguma trégua. Em outubro, por exemplo, o gás de botijão ficou 0,67% mais barato e a tarifa de eletricidade subiu menos que em setembro, com a variação mensal passando de 0,78% para 0,30%. Mas o custo de alimentos e bebidas subiu 0,72%, depois de ter recuado 0,51%, e foi o principal componente do aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No ano, o item alimentos e bebidas encareceu 10,32%. Em 12 meses, 11,21%, com elevação muito superior à da média geral dos preços, 6,47%.
Inflação persistente, alimentada pela incerteza fiscal e pela frequente oscilação do dólar, é um problema social associado só em parte ao custo da energia. Num país com muita pobreza e com ampla informalidade no mercado de trabalho, a vulnerabilidade a qualquer aumento de preço é condição da maior parte das famílias. A volatilidade do consumo neste ano tem sido um componente desse quadro. Apesar da expansão observada em vários momentos, neste ano, em 12 meses o volume de vendas do comércio varejista foi 0,7% menor que no período anterior. A conta de luz foi parte apenas parte desse aperto.
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