04 de novembro, 2024

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Dólar, bode expiatório do PIB lerdo

Empresas ociosas e crescimento minguante de salários estavam aí antes da alta do dólar.

 

VINICIUS TORRES FREIRE.

Corre por aí uma conversa de que o dólar em alta pode retardar ainda mais esta recuperação econômica lerda. Pode. Mas, assim posta, a afirmação pode significar nada, pouca coisa ou um desejo de arrumar uma explicação para um possível fiasco do crescimento neste ano.

A esta altura, o dólar seria um bode expiatório maroto, uma desculpa ansiosa ou picareta para algo que nem sabemos se vai acontecer (um PIB menor do que o previsto).

Se alguém procura explicações, há elefantes suspeitos que já estão na sala faz tempo, que vão continuar por ali e não causam alarde bastante. Por exemplo, a lerdeza dos salários, minguados pelo trabalho precário; os juros bancários, que baixavam devagar e agora nem isso; o investimento público, que baixou mais de 40% desde 2014.

O dólar pode criar marolas perigosas em uma economia que está com água suja pelo nariz, além de efeitos mais duradouros. Mas o problema aparecerá com dólar a quanto? Problemas em qual medida?

Uma conversa que se ouve é que o dólar mais alto encarecerá a importação de máquinas e equipamentos, o que limitaria o investimento das empresas. Pode ser verdade, a depender de outros fatores.

A importação de bens de capital equivale a uns 11% das importações totais de bens ou a 0,8% do PIB. A fatia do PIB ora destinada a investimento (formação bruta de capital fixo) é de menos de 16% do PIB (máquinas e equipamentos em geral levam um terço disso). Bastante para fazer estrago daqui a poucos meses?

Não dá para fazer no guardanapo uma conta do efeito direto da alta do dólar no investimento ou, pior ainda, no crescimento. Mas, no curto prazo, não deverá ser grande coisa. Para comparação, considere-se o tamanho de problemas tais quais ociosidade nas empresas, política, crescimento da renda que perde ritmo e desemprego.

Sim, a taxa de câmbio pode favorecer importações, é óbvio, e baratear bens de capital, bidu. Mas há obviamente outros fatores nesse jogo. Enfim, mais compras de equipamentos e máquinas no exterior em si não indicam o que vai ser do investimento ou do crescimento do PIB nos próximos meses.

A quantidade de bens de capital importados aumentou rapidamente na grande valorização do real nos anos de Dilma Rousseff, aqueles tempos em que o dólar chegou a custar R$ 1,60. Eram também tempos de liquidações no mercado mundial, pós-crise de 2008, com máquinas mais baratas.

O ritmo de crescimento da importação foi rápido, em alturas históricas, até 2014. Mas o investimento não aumentou de modo tão notável quanto em 2006-2010, começou a minguar em meados de 2013 e, como se sabe, a recessão geral começou logo no início de 2014.

Não é uma prova de nada. É apenas um indício de que o assunto é enrolado. A ideia de atribuir uma desaceleração adicional da economia à “alta do dólar” pode ser uma hipótese razoável; sem outras considerações, no curto prazo, é chute, conversa fiada ou desculpa furada por antecipação.

Por que não se discute esse crescimento em ritmo cadente dos salários? O total de rendimentos do trabalho cresce agora apenas 1,8% ao ano, em termos reais, descontada a inflação. Andava por entre 3,5% e 4,5% ao ano entre setembro e dezembro de 2017. O ritmo andava ou parecia forte em parte por causa da baixa rápida da inflação, mas era ilusório, por motivos ainda a esclarecer.

Para uma recuperação baseada estritamente em consumo, é um problemão.

FOLHA DE SPAULO.

 

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