09 de dezembro, 2024

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Emergência que não pode se perpetuar

Os índices da fome no Brasil da terceira década do século 21 colocam, infelizmente, os programas emergenciais de assistência alimentar na ordem do dia. Dados do IBGE apontam que em 2023 o Brasil tinha em torno de 64 milhões de pessoas vivendo em lares atingidos por insegurança alimentar, incluindo a fome. O quadro é agravado, hoje, pela catástrofe ocorrida no Rio Grande do Sul. Alcançando a marca de 30 anos de operação, o programa Sesc Mesa Brasil segue indispensável, o que não é motivo de celebração, visto que a perpetuação não é seu objetivo.

Tal circunstância resulta das desigualdades vigentes no país. Um dos sintomas mais cruéis da iniquidade é a falta de acesso regular ao alimento por parcelas da população, apesar de este ser um direito básico. O papel desempenhado pelo Serviço Social do Comércio nessa frente primordial não se propõe resolver o problema da fome, e sim atuar como indutor de transformações no panorama alimentar da nação. Para isso, é essencial a parceria com organizações do comércio e da indústria, junto a empresários cientes de seu papel social.

Dispondo de estrutura logística, o Sesc Mesa Brasil articula empresas, instituições e pessoas a fim de minimizar a fome e o desperdício, com foco no complemento de refeições. Em 2023, o Sesc São Paulo incrementou o prato de mais de quatrocentas mil pessoas, mediante distribuição de 5.877.923 kg de alimentos. Só no estado paulista, 53 veículos integram a frota de transporte dos mantimentos, acrescida de central de captação e armazenagem. O programa é formado por eixos conjugados: a Colheita Urbana conecta 1.030 empresas doadoras e 1.200 instituições sociais, enquanto as Ações Educativas orientam sobre alimentação adequada e saudável.

A vocação educativa do programa responde igualmente ao cenário dramático de disseminação de hábitos alimentares prejudiciais, em que os ingredientes “in natura” e as preparações culinárias são cada vez mais substituídos por ultraprocessados. A produção de saúde depende necessariamente da chamada “comida de verdade”, que atenda às demandas nutricionais, psicossociais, culturais e do meio ambiente.

Com abrangência nacional adquirida a partir do início dos anos 2000, o programa surge em 1994, por iniciativa do Sesc São Paulo, sob o nome “Mesa São Paulo”. Ele é fruto de propósito acalentado por Danilo Santos de Miranda, diretor regional de 1984 a 2023, inspirado no sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, em seu ativismo contra a miséria. No início dos anos 1990, Miranda e técnicos do Sesc visitaram bancos de alimentos nos EUA. A instituição se preparava para implantar seu programa de redução da fome e enfrentamento ao desperdício, com respaldo do Conselho Regional do Sesc e de seu presidente, Abram Szajman.

O caráter indutor desse empreendimento começa a dar sinais já na entrada do século 21, quando a ação se multiplica pelo Brasil. De um lado, o Departamento Nacional do Sesc coordena a incorporação do agora “Sesc Mesa Brasil” por todos os departamentos do Sesc no país, com as capitais passando a exercer o programa. De outro, o governo federal, com a implementação de um projeto comprometido com a erradicação da fome, em 2003, referenda a tecnologia social do Sesc Mesa Brasil nas balizas do “Fome Zero”. A isso se soma o interesse de políticos locais em ampliar o intento.

A preocupação do empresariado com o avanço responsável do país tem no Sesc um mediador fundamental, cuja gestão e confiabilidade se orientam pelos princípios do ESG nos pilares da governança, sustentabilidade e responsabilidade social. Com atuação socioeducativa modelar, a entidade busca inspirar movimentos análogos nos diferentes setores da sociedade, mostrando que há muito o que possa ser feito para a reversão de um quadro intolerável como esse. Embora a perpetuação não seja o objetivo do Sesc Mesa Brasil, seguimos firmes no propósito de transpor essa fronteira vital.

Luiz Deoclecio Massaro Galina é diretor do Sesc São Paulo

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