Os índices da fome no Brasil da terceira década do século 21 colocam, infelizmente, os programas emergenciais de assistência alimentar na ordem do dia. Dados do IBGE apontam que em 2023 o Brasil tinha em torno de 64 milhões de pessoas vivendo em lares atingidos por insegurança alimentar, incluindo a fome. O quadro é agravado, hoje, pela catástrofe ocorrida no Rio Grande do Sul. Alcançando a marca de 30 anos de operação, o programa Sesc Mesa Brasil segue indispensável, o que não é motivo de celebração, visto que a perpetuação não é seu objetivo.
Tal circunstância resulta das desigualdades vigentes no país. Um dos sintomas mais cruéis da iniquidade é a falta de acesso regular ao alimento por parcelas da população, apesar de este ser um direito básico. O papel desempenhado pelo Serviço Social do Comércio nessa frente primordial não se propõe resolver o problema da fome, e sim atuar como indutor de transformações no panorama alimentar da nação. Para isso, é essencial a parceria com organizações do comércio e da indústria, junto a empresários cientes de seu papel social.
Dispondo de estrutura logística, o Sesc Mesa Brasil articula empresas, instituições e pessoas a fim de minimizar a fome e o desperdício, com foco no complemento de refeições. Em 2023, o Sesc São Paulo incrementou o prato de mais de quatrocentas mil pessoas, mediante distribuição de 5.877.923 kg de alimentos. Só no estado paulista, 53 veículos integram a frota de transporte dos mantimentos, acrescida de central de captação e armazenagem. O programa é formado por eixos conjugados: a Colheita Urbana conecta 1.030 empresas doadoras e 1.200 instituições sociais, enquanto as Ações Educativas orientam sobre alimentação adequada e saudável.
A vocação educativa do programa responde igualmente ao cenário dramático de disseminação de hábitos alimentares prejudiciais, em que os ingredientes “in natura” e as preparações culinárias são cada vez mais substituídos por ultraprocessados. A produção de saúde depende necessariamente da chamada “comida de verdade”, que atenda às demandas nutricionais, psicossociais, culturais e do meio ambiente.
Com abrangência nacional adquirida a partir do início dos anos 2000, o programa surge em 1994, por iniciativa do Sesc São Paulo, sob o nome “Mesa São Paulo”. Ele é fruto de propósito acalentado por Danilo Santos de Miranda, diretor regional de 1984 a 2023, inspirado no sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, em seu ativismo contra a miséria. No início dos anos 1990, Miranda e técnicos do Sesc visitaram bancos de alimentos nos EUA. A instituição se preparava para implantar seu programa de redução da fome e enfrentamento ao desperdício, com respaldo do Conselho Regional do Sesc e de seu presidente, Abram Szajman.
O caráter indutor desse empreendimento começa a dar sinais já na entrada do século 21, quando a ação se multiplica pelo Brasil. De um lado, o Departamento Nacional do Sesc coordena a incorporação do agora “Sesc Mesa Brasil” por todos os departamentos do Sesc no país, com as capitais passando a exercer o programa. De outro, o governo federal, com a implementação de um projeto comprometido com a erradicação da fome, em 2003, referenda a tecnologia social do Sesc Mesa Brasil nas balizas do “Fome Zero”. A isso se soma o interesse de políticos locais em ampliar o intento.
A preocupação do empresariado com o avanço responsável do país tem no Sesc um mediador fundamental, cuja gestão e confiabilidade se orientam pelos princípios do ESG nos pilares da governança, sustentabilidade e responsabilidade social. Com atuação socioeducativa modelar, a entidade busca inspirar movimentos análogos nos diferentes setores da sociedade, mostrando que há muito o que possa ser feito para a reversão de um quadro intolerável como esse. Embora a perpetuação não seja o objetivo do Sesc Mesa Brasil, seguimos firmes no propósito de transpor essa fronteira vital.
Luiz Deoclecio Massaro Galina é diretor do Sesc São Paulo
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