Sophia Camargo, do R7
Os extremistas que participaram dos atos extremistas contra o novo governo neste domingo (8) em Brasília, que resultaram na depredação de prédios representativos dos Três Poderes, podem sofrer consequências para além da esfera criminal.
Caso sejam empregados com carteira assinada, poderão ter seus contratos de trabalho suspensos e até mesmo serem demitidos por justa causa.
É o que informam os advogados especializados em Direito do Trabalho consultados por esta coluna. São eles: Adriana Calvo, autora do Manual de Direito do Trabalho; Adriana Pinton, sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados; Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, professor da Faculdade de Direito da USP; Horácio Conde, conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo e Rafael Mello, sócio da Mazzucco & Mello Advogados.
Atos de vandalismo
Segundo explica a advogada Adriana Pinton, ainda que as ações tenham sido praticadas fora do ambiente de trabalho e em horário e/ou dia em que o empregado não estava trabalhando, a participação em atos de vandalismo, como os ocorridos no último domingo, pode sim gerar reflexos no contrato de trabalho.
“A maioria das empresas possui um Código de Ética, que traz os princípios que devem ser observados por todos os seus empregados. O envolvimento de um empregado em atos de vandalismo indica a quebra da ética esperada, comprometendo, portanto, a continuidade da relação de emprego. Com isso, abre-se a possibilidade da demissão por justa causa por mau procedimento.”
Foto: RICARDO MORAES/REUTERS
O que é a demissão por justa causa
A demissão por justa causa é penalidade mais grave que um empregado pode receber, pois faz com que o trabalhador perca o direito a indenizações como seguro-desemprego, saque e multa de 40% do FGTS, entre outras, recebendo apenas o saldo de salários, 13º salário integral e férias vencidas, se houver.
Como é uma punição muito grave ao trabalhador, só pode ser motivada se o comportamento do empregado se enquadrar nos casos previstos em lei, no artigo 482 da CLT, que são os seguintes:
- a) ato de improbidade (por exemplo, furtar, roubar, falsificar atestados médicos);
- b) incontinência de conduta ou mau procedimento (incontinência de conduta está ligada a comportamentos de natureza sexual, como ter relações no ambiente de trabalho, o mau procedimento está ligado a comportamento inadequado que não tenha conotação sexual);
- c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
- d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
- e) desídia no desempenho das respectivas funções (a desídia é a preguiça, negligência, má vontade, desleixo);
- f) embriaguez habitual ou em serviço;
- g) violação de segredo da empresa;
- h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
- i) abandono de emprego;
- j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- l) prática constante de jogos de azar;
- m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
Ato do empregado que fere a imagem da empresa
“Por mais execranda que seja a participação nesse tipo de crime praticado por essas pessoas, a simples participação nos atos de vandalismo no Distrito Federal não resultaria em justa causa, pois os atos realizados pelo empregado fora do ambiente de serviço não podem resultar em punição para este. Esta punição só poderia ser dada se houvesse prejuízo inegável à imagem da empresa”, diz Horácio Conde. “Exemplo: se ao participar dos atos de vandalismo, o empregado tivesse sido filmado usando indevidamente o uniforme da empresa, associando a imagem da mesma ao ato”, explica.
A infração ao contrato de trabalho também pode gerar a justa causa, explica Conde. “Se o cidadão assina um contrato de trabalho com uma empresa que tem, em seu código de ética, valores como defesa dos valores democráticos, segurança dos prédios públicos, por exemplo, então a participação ativa do empregado no vandalismo seria ofensa direta aos valores da empresa e, portanto, ao contrato de trabalho”, diz o advogado.
Prisão e suspensão do contrato
Como resultado das depredações, o governo determinou a prisão de mais de 1.000 extremistas. Caso sejam empregados e, por estarem detidos não puderem comparecer ao trabalho, ficam sujeitos também à suspensão do contrato. Com o contrato suspenso, o trabalhador vai ficar sem salário, sem computar o tempo para férias, décimo terceiro, sem depósito do FGTS. O trabalhador ainda é empregado da empresa, mas sem receber nada.
Já se houver condenação criminal, passada em julgado, então fica sujeito à demissão por justa causa.
Prova cabal de participação
Para que essas punições sejam aplicadas, é necessário que se faça prova cabal do envolvimento do empregado nos atos. “É preciso haver também a imediatidade na aplicação da punição. Cabe destacar, ainda, que a finalidade da demissão é demonstrar que a empresa não se coaduna com a postura de arruaça e vandalismo”, diz Adriana Pinon.
Justa causa polêmica
Para os advogados Rafael Mello e Adriana Calvo, a aplicação da demissão por justa causa nesse caso específico poderia ser revertida nos tribunais, pois apesar da conduta dos vândalos aparentemente se encaixar no parágrafo único do artigo 482 (que dispõe sobre os atos atentatórios à segurança nacional), o mesmo cita que esses atos precisariam ser apurados por inquérito administrativo.
Mas, segundo Adriana Calvo, a maioria da doutrina trabalhista entende que esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal, pois, segundo a lei maior, ninguém pode sofrer nenhum tipo de punição se não for mediante condenação em processo judicial transitado em julgado e não apenas via inquérito administrativo.
“Se um cliente me consultasse hoje sobre o que fazer, eu diria que demitir por justa causa é arriscado por falta de taxatividade, por não haver na legislação trabalhista uma hipótese específica. Se o empregado estiver preso, indicaria a suspensão do contrato, que vai paralisar esse contrato e não gerar nenhum direito ao empregado, inclusive deixando de contar esse tempo para aposentadoria”, diz Adriana Calvo.
Servidor público tem situação agravada
O professor Antonio Freitas informa que no caso dos servidores públicos a situação é ainda mais grave do que a do empregado celetista. Ele diz que o servidor público tem, como o empregado, deveres de bom comportamento, mas com maior rigor, já que deve prestar contas à sociedade.
Como as práticas criminosas ocorridas no domingo atentaram contra o estado de Direito, contra a democracia, o professor entende que o servidor público envolvido nos ataques poderá ser exonerado sem necessidade de ação judicial.
“Bastará um processo administrativo disciplinar, com direito à defesa, e que poderá resultar também na demissão desse servidor muitas vezes até com nota de demissão a bem do serviço público”, diz.
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