Por Notas & Informações
Projetos de lei ligados à agenda econômica dominaram a pauta legislativa nos últimos quatro anos. De acordo com levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), 931 propostas voltadas à área foram apresentadas ao longo dos últimos quatro anos no Congresso, das quais 49 foram aprovadas e se transformaram em norma jurídica, uma conversão de 5,26%. Dos 2.823 textos sobre finanças públicas e orçamento propostos no mesmo período, 112 foram aprovados, ou 3,97% do total. O índice supera facilmente a quantidade de textos convertidos em lei em áreas como saúde, meio ambiente e educação.
Lidos de forma superficial, os números do levantamento fortaleceriam o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segundo o qual a maioria dos parlamentares tem um perfil reformista e liberal. Mas uma análise mais aprofundada sobre o conteúdo das propostas efetivamente aprovadas revela a distância entre o discurso e a prática legislativa.
É bem verdade que o Congresso deu aval, nos últimos anos, à reforma da Previdência, à autonomia do Banco Central e ao novo marco do saneamento, mas a segunda metade do mandato do então presidente Jair Bolsonaro foi marcada por uma profunda reversão nesse movimento. Até propostas pretensamente liberais, como a privatização da Eletrobras, geraram forte alta de despesas para a União, enquanto as frequentes exceções criadas para desviar dos limites do teto de gastos acabaram por desmoralizar o arcabouço fiscal.
Não foi algo pontual. Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005, e Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e autor do livro Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil, já haviam elencado, em um artigo publicado no site Brazil Journal, 40 projetos aprovados pelo Legislativo nos últimos dois anos que resultaram em renúncia de receitas e aumento de despesas – todos com apoio do Executivo, explícito ou velado.
A lista evidenciou o quão ciclotímica é a agenda econômica no País. Passado um breve período de lua de mel entre o governo e o Congresso recém-eleitos, ela vive ciclos recorrentes de avanços e retrocessos, descrevem Lisboa e Mendes. “A cada ciclo político recebemos a herança do que foi construído no governo anterior. Os momentos de crise têm induzido a adoção de medidas que aperfeiçoam as políticas públicas e colaborado para a retomada do crescimento nos anos que se seguem. Superadas as dificuldades mais graves, contudo, a agenda de captura do Estado por grupos de interesse é retomada com vigor, para prejuízo das contas públicas e do crescimento econômico do País”, afirmaram.
Os deputados e senadores que acabam de assumir o mandato têm agora a chance de dar fim a esse ciclo e mostrar um renovado entendimento do exercício de seus mandatos. Diferentemente do que fizeram nos últimos anos, é preciso que os parlamentares analisem cada projeto com muita responsabilidade, a partir de um levantamento prévio sobre seus custos e benefícios. O quadro fiscal não deixa dúvidas de que o espaço para criar um novo legado de aumento de gastos no médio e longo prazos está esgotado.
Ciente da polarização que dividiu e ainda divide a sociedade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito esforços no fortalecimento das relações institucionais entre os Poderes. O presidente não pode abrir mão da liderança do governo na definição da agenda legislativa, como fez seu antecessor. Por outro lado, em vez de gastar sua governabilidade recém-construída com projetos que fracassaram no passado, precisa aproveitar a janela de oportunidades do primeiro ano de mandato com muito pragmatismo e motivar o Congresso a aprovar a reforma tributária e a nova âncora fiscal.
O momento é de reconstrução de pontes entre o Legislativo e o Executivo, mas o País precisa que essas pontes sejam erguidas sobre bases mais modernas. Somente essa união de esforços poderá reverter um cenário que, nos últimos anos, tem variado entre mero desequilíbrio e profundo descalabro fiscal.
https://www.estadao.com.br/opiniao/entre-o-desequilibrio-e-o-descalabro/
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