12 de outubro, 2024

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Excessos que enfraquecem a democracia

Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez muito bem em indeferir, em razão da inépcia da inicial, o pedido do PL para anular os votos de 279,3 mil urnas eletrônicas no segundo turno das eleições presidenciais. Sem ter nenhum fundamento na realidade, a ação judicial proposta pelo partido de Jair Bolsonaro era uma manobra inequívoca para criar confusão e instabilidade no País. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, agiu corretamente, portanto, ao pôr fim, de forma célere e fundamentada, a mais esse movimento golpista do bolsonarismo.

A celeridade da decisão da Justiça Eleitoral foi especialmente importante tendo em vista o cenário inédito – e absolutamente excepcional – de enfrentamento do resultado das eleições presidenciais por parte de grupos ligados ao presidente Jair Bolsonaro. No regime democrático, a parte derrotada nas urnas não tem direito de bloquear estradas para protestar contra o resultado eleitoral ou de pedir intervenção militar porque seu candidato perdeu. Tudo isso é puro golpismo, a merecer a aplicação rigorosa da lei por parte do Judiciário.

No entanto, mesmo considerando todas essas circunstâncias excepcionais, é preciso reconhecer – não há como tapar o sol com peneira – que o presidente do TSE se excedeu ao aplicar ao PL, por litigância de má-fé, uma multa de R$ 22.991.544,60. Não é assim que a Justiça deve atuar. Não é assim que se protege a democracia. Há uma compreensão equivocada do Direito, que depois gera danos muito além do caso concreto, quando um juiz se acha no direito de punir por seus próprios critérios. O Estado Democrático de Direito não funciona assim.

Nessa história há uma grande ironia. Com a atuação desproporcional de Alexandre de Moraes, o bolsonarismo prova na própria pele o remédio que continuamente pede que seja aplicado aos outros. A visão do Direito que subjaz nas bandeiras punitivistas de Jair Bolsonaro é rigorosamente seletiva e arbitrária. Basta ver as insistentes tentativas de ampliar a excludente de ilicitude para policiais. Nessa proposta, há a ideia de que, para combater o crime, o agente público pode ir além dos limites legais. No momento concreto da ação, ele deveria ter a prerrogativa de usar impunemente seus próprios critérios, suas próprias medidas.

Outro exemplo é a proposta bolsonarista – foi um dos 22 compromissos da campanha de Jair Bolsonaro neste ano – de acabar com a audiência de custódia. Previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica), trata-se de ato processual no qual a pessoa que foi presa é apresentada em seguida a um juiz para avaliação da legalidade da prisão e da regularidade do flagrante. Além de evitar prisões ilegais, a medida serve para verificar eventual ocorrência de tortura ou de maus-tratos. Jair Bolsonaro não gosta da audiência de custódia: deseja que o Estado tenha um poder de prender bastante alargado, sem especiais controles.

Mencionam-se esses casos para ilustrar como está presente, nas mais diversas cores ideológicas, a tentação do excesso do poder. É bastante difundida a ideia de que, em determinadas circunstâncias, seria benéfico que o Estado pudesse ir um pouco além do que determina a lei – e do que dispõe a jurisprudência – para proteger bens jurídicos especialmente importantes. É preciso muito cuidado. Por exemplo, a punição exemplar – que tantas vezes se pede – não pode ser entendida como punição além dos limites, como se determinado caso exigisse uma pena excepcional. No Estado Democrático de Direito, o grande exemplo a ser dado por todos, especialmente pelas autoridades públicas, é o respeito aos limites da lei. Excepcionalidades não produzem paz pública, tampouco protegem adequadamente a democracia.

O bolsonarismo tensiona, com intensidade e frequência inéditas, o Estado Democrático de Direito. Mas isso não legitima usar com ele os seus métodos antirrepublicanos, fundados em critérios pessoais e seletivos. A régua é a lei, e não a vontade de quem tem o cassetete ou a caneta.

 

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