Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Poderia ser a pobreza, o desemprego, a má educação ou a estagnação econômica, mas o primeiro grande alvo a ser atacado pelo presidente recém-eleito, em 2023, pode ser mesmo o teto de gastos. Gastar mais é uma bandeira comum a vários candidatos à Presidência da República. Diante desse fato, especialistas em contas públicas têm-se concentrado em defender critérios mínimos para impedir a devastação das finanças do governo. Embora prevaleça a agenda social, será preciso sinalizar compromisso com o equilíbrio fiscal, segundo a economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade ligada ao Senado, e ex-pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV). O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, defende moderação no dispêndio adicional e obtenção de superávit primário no próximo ano. O saldo primário é a diferença entre despesas e receitas com exclusão da conta de juros.
Um limite de R$ 70 bilhões nos gastos extras foi sugerido recentemente a economistas do governo – e a candidatos à Presidência – por representantes de instituições financeiras. Vários especialistas têm até admitido o abandono do teto, mas com a adoção de alguma âncora fiscal bem definida e eficaz. A preocupação é especialmente relevante neste momento, por causa da eleição presidencial, das condições econômicas e sociais internas e da expectativa de um quadro internacional desfavorável em 2023.
Nenhum candidato se opôs, até agora, à manutenção em 2023 do Auxílio Brasil aumentado para R$ 600. As promessas do atual presidente, candidato à reeleição, incluem a preservação de outros benefícios com elevado custo fiscal. Além disso, bandeiras variadas de combate à pobreza, de socorro aos endividados e de maiores investimentos em programas sociais aparecem nos discursos dos vários candidatos. Em condições mais favoráveis já seria trabalhoso enquadrar todas essas pretensões num esquema financeiro. Neste momento esse desafio é bem maior.
Arranjar dinheiro para gastos adicionais poderá ser especialmente complicado em 2023, segundo Mansueto Almeida. A arrecadação de tributos tem sido favorecida pela inflação e, de modo particular, pelos altos preços do petróleo e de outros produtos básicos. Se a inflação cair e se a redução da atividade global – já se fala em recessão – derrubar severamente os preços das commodities, a receita de impostos e contribuições poderá ser muito afetada, adverte o ex-secretário do Tesouro.
A percepção de riscos associados à piora do quadro mundial é difundida no setor financeiro. Se a isso se acrescentar um aumento da incerteza sobre as contas do governo, o financiamento do Tesouro será mais caro, sua dívida tenderá a crescer e, ao mesmo tempo, a fuga de capitais em busca de segurança poderá aumentar. Um dos efeitos será a instabilidade cambial, com encarecimento do dólar e reflexos inflacionários – fenômenos frequentes nos últimos anos, por causa do voluntarismo, dos desmandos populistas do presidente Jair Bolsonaro e de sua custosa parceria com o Centrão.
Não basta, no entanto, a preocupação com as contas de 2023. Um governo responsável tentará garantir a segurança fiscal de longo prazo e, além disso, prover o Tesouro de meios para reagir a desafios especiais. Pode-se pensar em mais de um tipo de âncora, mas a busca de superávit primário será importante elemento de segurança. Além de baratear o financiamento do Estado, esse tipo de política criará a folga necessária para maiores gastos em situações econômicas desfavoráveis. Com as finanças em bom estado, o governo poderá mais facilmente apoiar a economia em tempos de crise e emergir dessa fase sem muito desgaste.
Para cuidar do longo prazo, o novo governo deverá também esforçar-se para desengessar o Orçamento, quase todo comprometido com despesas obrigatórias. Além disso, terá de priorizar uma reforma do sistema tributário, para torná-lo mais simples, mais justo e mais adequado à integração internacional.
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