Por Ricardo Lazzari Mendes
A água é um recurso indispensável à nossa sobrevivência e ao desenvolvimento da humanidade. A revolução agrícola floresceu com a fixação das primeiras civilizações às margens dos grandes rios, como Nilo, Tigre, Eufrates, Jordão, Ganges e Indo. Os recursos hídricos garantiram o cultivo de alimentos, a criação de animais e o abastecimento dessas populações.
Este bem tão precioso para a nossa vida está em risco. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para abastecer mais 2 bilhões de pessoas no planeta, a demanda mundial por água deve crescer 55% até 2050. As projeções da organização mostram ainda que 240 milhões de pessoas no mundo não terão acesso à água potável e 1,4 bilhão não contará com serviço de saneamento básico em 2050. Temos pela frente o desafio de evitar potenciais conflitos pela água, bem como reduzir os impactos disso para o desenvolvimento econômico e social dessas localidades.
Apesar de contar com mais de 10% da água doce de todo o planeta, o Brasil precisa fortalecer a gestão dos recursos hídricos, concentrados em 80% na bacia do Rio Amazonas, que tem menos de 10% da população do País. A aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento foi um importante passo para o enfrentamento de sucessivas crises hídricas registradas em diversas regiões do País. A falta d’água já não é mais uma exclusividade do semiárido brasileiro, mas aflige grandes regiões metropolitanas.
A Lei Federal n.º 9.433/1997 instituiu a gestão de águas no Brasil e tem como um dos seus objetivos “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”. Para garantir a efetividade da segurança hídrica, precisamos avançar na gestão deste recurso, bem como realizar fortes investimentos em infraestrutura capazes de garantir a conservação e a recuperação das águas.
A segurança hídrica é um tema urgente. De acordo com o Atlas da Água, elaborado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), apenas 667 municípios brasileiros, com 4% da população urbana do País, apresentam segurança hídrica máxima. Em 2.143 cidades, com 50,2 milhões de habitantes, a classificação é de alta segurança. Porém 77,3 milhões de brasileiros, quase 40% da população urbana, residem em municípios com segurança hídrica média e outros 50,8 milhões estão em localidades com segurança hídrica baixa ou mínima.
A Lei n.º 14.026/20 sedimenta o caminho para atender à demanda de 16% da população ainda sem acesso à água, bem como obriga as concessionárias a reduzirem os índices de perdas nos sistemas de abastecimento dos municípios. Para atingir essa meta estabelecida pelo Novo Marco do Saneamento até 2033, apenas nos sistemas de abastecimento de água são necessários R$ 164 bilhões de investimentos, de acordo com estudo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindicon).
A redução do desperdício de água é uma das frentes para diminuir os riscos hídricos. Atualmente, cerca de 40% da água tratada é perdida antes mesmo de chegar às residências, volume equivalente a 7,8 mil piscinas olímpicas desperdiçadas diariamente, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Essas perdas representam ainda mais de sete vezes o volume do Sistema Cantareira – o maior conjunto de reservatórios para abastecimento do Estado de São Paulo. A redução desse indicador para índices próximos a 25% – que é a meta determinada pela Portaria n.º 490 do Ministério do Desenvolvimento Regional – promoveria uma economia de 2,3 milhões de m3, volume suficiente para atender aproximadamente 40,4 milhões de brasileiros em um ano.
Numa outra frente, o fortalecimento da educação ambiental pode contribuir para a redução dos desperdícios das famílias, uma atitude que temos visto apenas em momentos de escassez hídrica. O reuso da água também precisa ser ampliado, inclusive na agricultura, o que demanda discussões para uma legislação própria capaz de apontar os limites desse procedimento.
O País deve, ainda, investir maciçamente em tecnologia como forma de manter um monitoramento constante das águas subterrâneas e meteorológicas. Um rastreamento frequente permite trabalhar melhor com a disponibilidade de água nas diversas regiões brasileiras, para que possamos adotar medidas de contenção em momentos necessários.
Temos o desafio de atender às demandas da Agenda 2030, documento adotado na Assembleia-Geral da ONU em 2015, que trouxe seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030. O item 6 estabelece a necessidade de assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos. Estamos muito próximos deste prazo, mas temos possibilidade de alcançá-lo e de melhorar a qualidade de vida para milhões de brasileiros.
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ENGENHEIRO PELA ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS DA USP, DOUTOR EM ENGENHARIA HIDRÁULICA E SANITÁRIA PELA ESCOLA POLITÉCNICA DA USP, É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE EMPRESAS DE CONSULTORIA E SERVIÇOS EM SANEAMENTO E MEIO AMBIENTE (APECS)
https://www.estadao.com.br/opiniao/gestao-e-investimento-para-garantir-agua/
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