13 de outubro, 2024

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Igualdade salarial entre homens e mulheres é pista de corrida bem sinuosa

Por Renata do Nascimento Ziebarth

Não há dado que evidencie de forma tão objetiva a desigualdade entre homens e mulheres quanto o salário. Sim, essa parcela tão querida no universo do trabalho é a prova de uma realidade triste para nós, mulheres. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), os homens ganharam aproximadamente 30% a mais que as mulheres em 2019 [1]. Além disso, os rendimentos efetivos e habituais recebidos por homens e mulheres não crescem na mesma velocidade. Enquanto os rendimentos recebidos pelos homens aumentaram 9,4% no último trimestre de 2022, para as mulheres, esse número foi de 6,7% [2]. Na corrida da igualdade salarial, portanto, os homens não só já estão na frente como estão em veículos mais velozes.

Para fazer frente a essa realidade, no dia 4/7/2023, foi sancionada a Lei 14.611. O propósito da nova legislação é louvável: promover a igualdade salarial e de critérios remuneratórios, entre homens e mulheres, para a realização de trabalho de igual valor ou no exercido da mesma função. Com um propósito tão relevante, não há quem não se interesse pela leitura de seus artigos e o resumo é o seguinte:

  1. Deve ser garantida a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, para trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função;
  2. A pretendida igualdade será garantida por meio de 5 medidas: (a) estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios, (b) incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios, (c) disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial, (d) promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho, e (e) fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens;
  3. As empresas com mais de 100 empregados devem publicar, semestralmente, relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios, observada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais;
  4. A penalidade para o caso de discriminação enseja o pagamento das diferenças salariais devidas, além da possibilidade de indenização por danos morais;
  5. A multa por descumprimento corresponderá a 10 vezes o valor do salário paradigma, elevada ao dobro em caso de reincidência (atualmente, esse valor é de 1 salário-mínimo regional).

O circuito da corrida pela busca da igualdade salarial fica um pouco mais tortuoso com as perguntas e reflexões que surgiram sobre o cumprimento da nova legislação — umas antigas e outras nem tanto assim.

Primeiro, o conceito de trabalho de igual valor que consta no artigo 461 da CLT nunca foi fácil de explicar. Parece ser uma daquelas expressões que prejudicam a visibilidade de qualquer operador do Direito, dada a conotação subjetiva que lhe é inerente. A lei também trouxe um novo conceito para competir com essa subjetividade: critérios remuneratórios. Com tantas expressões que carecem de objetividade, as medidas para a garantia da igualdade salarial se tornam complexas e desafiadoras. Ainda que as discussões se prolonguem ao longo do tempo, as empresas já podem (e devem, já que a lei está em vigor e não há nenhum prazo para adaptação) envidar esforços para a criação imediata de canais específicos de denúncias sobre discriminação salarial. Parece ser uma medida simples e muito similar aos canais de denúncia já incorporados no dia a dia das empresas.

Outra novidade é o dever de promoção de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho. As empresas podem se valer dessa oportunidade para fomentar um ativo ainda tímido e pouco discutido no mundo corporativo: a capacidade de D&I impulsionar os negócios, promover um meio ambiente de trabalho mais saudável e alavancar a produtividade dos empregados e empregadas. Há várias pesquisas demonstrando que as agendas de D&I são positivas para os negócios sob diferentes perspectivas. Inclusive, embora a ementa mencione a diferenciação salarial entre mulheres e homens, a ideia central do texto normativo contempla qualquer tipo de distinção baseada em sexo, raça, etnia, origem ou idade.

A obrigação de publicar semestralmente relatórios de transparência salarial e de critérios de remuneração também desperta muitas dúvidas entre os empregadores. No universo das empresas com mais de cem empregados, há empresas que contam com 101 empregados (e nenhum interesse em divulgar critérios de remuneração), como também há grandes corporações que já divulgam, com transparência, resultados financeiros e informações sobre diversidade e inclusão. Para o primeiro grupo, o fato de os dados serem anonimizados parece não ser um facilitador para a confidencialidade e tratamento de dados pessoais. Imaginem aquela empresa que tem apenas um diretor ou uma diretora. Divulgar o salário desse nível hierárquico será, portanto, equivalente a divulgar o próprio salário do empregado ou empregada – e ninguém deseja o seu salário correndo solto por aí. Aliás, a nova lei não específica por meio de qual canal tal relatório será divulgado.

A obrigação de informar a proporção de ocupação de cargos de direção, gerencia e chefia preenchidos por homens e mulheres é um aspecto extremamente positivo da nova legislação. Embora algumas empresas divulguem o percentual de homens e mulheres empregados, poucas trazem esses dados categorizados por nível hierárquico. A busca pela igualdade vai além do percentual de 50% da população geral da empresa. A igualdade precisa atingir todos os cargos de gestão e direção, garantindo-se que as mulheres ocupem 50% desse restrito universo (e em igualdade de condições). Sabemos, contudo, que a remuneração desse grupo atinge uma multiplicidade de formas, desde remuneração fixa até incentivos de curto e médio prazos, ora em dinheiro, ora em ações. Como comparar, de forma objetiva, um universo tão restrito e sujeito a tantas variáveis? Como assegurar que a lei seja exequível quando traz conceitos tão abertos como “além de informações estatísticas sobre outras possíveis desigualdades”? Novamente, voltamos para mais perguntas do que respostas.

Ainda assim, mesmo que o caminho seja sinuoso, a Lei 14.611/2023 traz luz para uma pauta digna de todos os holofotes e merece, portanto, a devida regulamentação para que todas nós, mulheres, alcancemos o lugar mais alto do pódio.

 

[1] Cf. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27594-pnad-continua-2019-rendimento-do-1-que-ganha-mais-equivale-a-33-7-vezes-o-da-metade-da-populacao-que-ganha-menos. Acesso em 4/7/2023.

[2] Cf. https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2023/03/230317_cc_58_nota_22_rendimentos.pdf. Acesso em 4/7/2023.

Renata do Nascimento Ziebarth é doutoranda e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2023

 

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