Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Talvez pareça paradoxal a deterioração observada no ambiente dos negócios no momento em que as expectativas com relação aos programas e ações do futuro governo deveriam estar gerando algum otimismo. Mas, em lugar de inspirar confiança e esperança, a equipe de transição de governo, estimulada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, semeia dúvidas sobre como administrará os recursos públicos e alimenta insegurança e incertezas que perturbam o ambiente econômico.
Coincidência ou não, a confiança dos agentes econômicos decai na transição. Medida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a confiança do empresário industrial caiu entre outubro e novembro em todos os 29 setores analisados. Também diminuiu a confiança do consumidor medida pela Fundação Getulio Vargas.
Já há reações práticas, e elas têm preço. Implicam encarecimento da rolagem da dívida pública, mais custos financeiros para empreendedores e consumidores, riscos para investimentos e para iniciativas destinadas a gerar empregos, entre outros efeitos. Os juros sobem, e já se fala em taxa Selic de 15% ao ano em algum momento do futuro próximo (hoje está em 13,75%).
Em ambiente marcado por incertezas, decisões podem ser adiadas ou alteradas. Não se trata apenas de aplicar mais ou menos neste ou naquele ativo financeiro com o objetivo de ganhar dinheiro com movimentos especulativos – que, ressalve-se, por serem naturais nesse tipo de operação, não constituem ilícito nem falha moral. Máquinas podem deixar de ser compradas, decisões de consumo podem ser adiadas, contratações de funcionários podem ser suspensas, investimentos deixam de ser realizados, a economia perde ritmo.
O cenário global desfavorável, marcado por inflação alta e redução da atividade econômica, é, por si só, poderoso fomentador de incertezas. O modo irresponsável com que a equipe de transição propôs assegurar o pagamento do benefício do Auxílio Brasil (agora novamente chamado de Bolsa Família) livre do teto de despesas e as dificuldades nas negociações da proposta no Congresso realimentaram a insegurança gerada pela falta de informações sobre as políticas do futuro governo no campo econômico-fiscal.
Não sem razão, analistas privados e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, advertem para a eventual necessidade de aperto da política monetária – ou seja, juros ainda mais altos, quando deveriam começar a cair – caso haja problemas na gestão das contas públicas no próximo governo.
Na ata de sua mais recente reunião, o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do Banco Central faz referência ao aumento da incerteza no sistema financeiro e deixa claro que “o impacto mais severo continua sendo o observado no cenário de quebra de confiança no regime fiscal”. Adiante, reafirma que “o aumento dos gastos públicos e a incerteza sobre a trajetória do endividamento podem elevar os prêmios de risco e as expectativas de inflação”. Como, com essa avaliação, não colocar a alta dos juros como possibilidade real?
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