Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Se o presidente Jair Bolsonaro fosse o CEO de uma grande empresa, já teria sido demitido. Em pouco mais de dois anos de mandato, Bolsonaro mexeu incontáveis vezes em seu Ministério e, a cada mudança, são substituídos, aos magotes, funcionários de escalões inferiores. Nenhuma administração que se pretenda séria e competente consegue funcionar sem um mínimo de estabilidade, palavra desconhecida no governo Bolsonaro.
Já é notória a inabilidade do presidente na gestão de seu pessoal. Sempre que pretende afastar um ministro, como mostrou recente reportagem do Estado, trata de desgastá-lo publicamente, com insinuações e cobranças, tratando-o como desafeto, ao mesmo tempo que alimenta especulações sobre quem seria o substituto. No dialeto do poder, isso se chama “fritura” – que, além de humilhar o substituído, serve para constranger os ministros remanescentes. Tal prática desestimula os cidadãos mais preparados a desejarem fazer parte do governo, pois ninguém gosta de ser humilhado por fazer seu trabalho.
Para Bolsonaro, contudo, a qualidade da administração é irrelevante; seu único propósito, como presidente, é ser temido e ter suas ordens acatadas sem contestação. Por isso, Bolsonaro troca de ministros como troca de camisas, quase nunca para satisfazer às demandas das áreas afetadas, e quase sempre para atender a seus devaneios de poder.
Pode-se argumentar que a constante substituição de ministros tem um impacto limitado no dia a dia da administração, pois o Estado conta com um corpo de funcionários públicos de carreira que, independentemente da chefia, desempenham corretamente seu trabalho, pois têm bom preparo técnico. Isso é um fato, mas também é um fato que a cada ministro que entra e a cada um que sai, a administração Bolsonaro parece empenhar-se em promover a degradação dos escalões inferiores nos órgãos envolvidos.
Hoje, em áreas estratégicas, como Educação e Saúde, já não é mais possível garantir a qualidade estrutural, desgastada pela nomeação de servidores sem nenhum preparo e, pior, escolhidos exclusivamente por demonstrarem publicamente compromisso fanático com o bolsonarismo – pseudoideologia assentada na destruição.
Assim, ganham cargos-chave funcionários dedicados a arruinar a memória administrativa a duras penas construída ao longo dos anos e dos governos de diferentes orientações.
Tome-se o exemplo do Ministério da Saúde. Além da alta rotatividade na pasta, que já está em seu quarto titular, houve notável deterioração da qualidade do quadro de gestores. O terceiro ministro, o intendente Eduardo Pazuello, não sabia nem o que era o SUS, segundo suas próprias palavras. Sendo assim, poderia ter se cercado de gente do ramo, mas, fiel ao projeto bolsonarista, montou uma equipe destinada a descaracterizar o Ministério da Saúde.
Entre os auxiliares diretos de Pazuello agora exonerados estavam um certo “Markinhos Show”, hipnólogo responsável pelo marketing do ministro, e um advogado que já defendeu milicianos no Rio de Janeiro, além de inúmeros militares sem qualquer experiência na área. E tudo isso em meio ao maior desafio sanitário enfrentado pelo País em um século.
No Ministério da Educação, que também está no quarto ministro (um deles nem chegou a assumir, por ter embelezado o currículo acadêmico), o desmantelamento é generalizado. A Secretaria Executiva está no terceiro secretário. A importantíssima Secretaria de Educação Básica, que já teve cinco secretários, está sem titular desde a semana passada, quando a última pediu demissão. A Secretaria de Educação Superior é administrada hoje pelo seu terceiro gestor. O Inep, que faz as avaliações de ensino, está no quarto titular.
A esse descalabro se somem as trocas intempestivas na direção de estatais, bancos públicos e outros órgãos da administração, com destaque para as áreas ambiental e de segurança, e tem-se o retrato de um governo sem rosto – ou melhor, com a exata feição de seu presidente, um político sem partido e sem rumo, cujo objetivo é apenas o poder em si mesmo.
Comentários