Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
No dia 6, o presidente Jair Bolsonaro assinou a Medida Provisória (MP) 1.068, que impede as redes sociais de excluir conteúdos, “exceto por justa causa”, tal como definida no documento. Como toda MP, esta passou a valer na data da publicação, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em 120 dias. O presidente do Senado tem, contudo, a discricionariedade de devolvê-la, caso considere que viola a Constituição, anulando imediatamente seus efeitos. Espera-se que o faça, porque, além de inconstitucional, ela é inepta e inoportuna.
Não que a questão dos limites à moderação de conteúdos por parte das redes não seja relevante, tanto que vem sendo debatida em todo o mundo. Se, por um lado, as plataformas não são responsabilizadas pelos conteúdos publicados, a contrapartida é que mantenham sua neutralidade enquanto veículo para que os usuários expressem sua opinião. Segundo o governo, a MP visa a impedir a “remoção arbitrária e imotivada” de perfis e conteúdos a partir de critérios que “impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa”.
Muitos juristas apontaram no documento vícios materiais, cujo principal efeito seria inviabilizar o combate à disseminação de notícias falsas. Mas não é preciso entrar no mérito. O art. 62 da Constituição estabelece que as medidas provisórias poderão ser adotadas “em caso de relevância e urgência”. Não é o caso. O Brasil construiu o Marco Civil da Internet, que estabelece os princípios de neutralidade e isonomia da rede e os critérios para regular a moderação de conteúdos. Sem dúvida, o Marco é passível de aperfeiçoamento, mas, após sete anos de laboriosa deliberação, consolidou um equilíbrio de interesses que não pode ser alterado no improviso.
Diante disso, uma série de partidos impetrou na Suprema Corte uma ação pedindo a suspensão da medida. O procurador-geral, Augusto Aras – que pode ser acusado de tudo menos de ser hostil ao governo –, foi favorável à suspensão, dada a “complexidade do contexto social e político atual, com demanda por instrumentos de mitigação de conflitos, aliada a razões de segurança jurídica”. Aras lembrou que tramita no Congresso o projeto de lei das fake news, sendo “prudente” aguardar a sua definição, “após amplo e legítimo debate, na seara apropriada”.
A MP é inoportuna, porque oportunista: foi publicada nas vésperas das manifestações bolsonaristas do 7 de Setembro, como um aceno de Bolsonaro a aliados que tiveram conteúdos removidos não só por iniciativa das plataformas (como no caso da desinformação a respeito de vacinas ou medicamentos), mas por determinação de órgãos como o Tribunal Superior Eleitoral e a própria Suprema Corte (no caso de acusações fraudulentas ao sistema eleitoral ou ameaças a ministros).
Decerto Bolsonaro espera um tratamento diferenciado após contemporizar as tensões fabricadas por ele mesmo em sua Declaração à Nação. Mas, se o presidente recuou de sua belicosidade, não fez mais do que a obrigação, e isso não significa que as instituições recuarão de seus deveres.
De tempos em tempos, Bolsonaro fala em costurar um “pacto” entre os Poderes. Esse pacto já existe: é a Constituição. Supostos acordos não servirão para que as instituições se acovardem ou cedam a interesses. Conforme suas atribuições constitucionais, o Legislativo continuará a legislar e o Judiciário, a julgar. Assim como o STF deve avaliar os inquéritos levados à Corte, o Senado precisa analisar a constitucionalidade das medidas provisórias apresentadas ao Congresso.
A devolução de uma MP é uma medida constrangedora para o Executivo. Tanto que só foi empregada quatro vezes desde 1988. A última foi no ano passado, quando o então presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu a MP que mudava os critérios de escolha de reitores de universidades federais. A MP 1.068 merece o mesmo destino. E por mais indigesto que ele seja para o presidente Bolsonaro, a prova de que a sua declaração de respeito às instituições não é letra morta será aceitá-lo como quem aceita um remédio amargo, mas salutar.
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