Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Se a meta de inflação fosse um gol, a bola passaria bem acima da trave. Essa é a projeção básica do Banco Central (BC) para este ano. Entre março e junho, a taxa projetada para 2021 passou de 5% para 5,8%, impulsionada por várias surpresas indigestas. Os preços industriais subiram além do esperado e as cotações das commodities, como alimentos e minérios, acabaram conturbando o dia a dia das famílias. Os preços ao consumidor deveriam ter aumentado 7,7% nos 12 meses até maio, segundo apontou em março a bola de cristal do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. O aumento, no entanto, foi de 8,06% e poderá, pelas novas estimativas, chegar a 8,5% em agosto. A meta de inflação para o ano é de 3,75%. O limite superior de tolerância, a trave de cima, é de 5,25%.
Esses números aparecem no Relatório de Inflação, um panorama econômico publicado a cada três meses pelo BC. Alguns dados positivos tornam menos sombria a paisagem. O crescimento econômico esperado para 2021 foi revisto de 3,6% no relatório de março para 4,6% no atual. Essa revisão também é em parte explicável por surpresas, mas nesse caso positivas. As surpresas incluem o balanço do primeiro trimestre, com Produto Interno Bruto (PIB) 1,2% maior que o dos três meses finais de 2020, e bons indicadores de atividade nos dois meses seguintes. A expectativa de avanço da vacinação, a recuperação da confiança, os efeitos defasados do estímulo monetário (com juros ainda baixos) e possíveis medidas de apoio à atividade e ao emprego sustentam essa avaliação.
Mas é preciso – e esta advertência é um detalhe especialmente importante – olhar com cautela os balanços da atividade e as projeções de evolução do PIB. A pandemia pode ter alterado, em 2020, as variações sazonais. Para tornar comparáveis os números de diferentes fases do ano, economistas procuram eliminar os chamados fatores sazonais. Além da sucessão das estações, outros fatores, como férias escolares, datas comemorativas e costumes, afetam o ritmo dos negócios, do emprego e dos preços durante o ano. Isso se repete, com pouca variação, durante anos, mas esses padrões podem ter sido alterados de forma importante, em 2020, com a difusão da covid-19, as políticas de combate à doença e as mudanças de comportamento.
Se essas mudanças de fato ocorreram, os cálculos habituais de sazonalidades podem ter sido seriamente prejudicados. Nesse caso, seria preciso, para correção, levar em conta os fatores atípicos. Pelo critério convencional, no primeiro trimestre deste ano o PIB superou por 1,2% o do trimestre final de 2020. Com o procedimento especial para compensar as anomalias, o cálculo apontaria um crescimento de apenas 0,5%. O cenário inicial de 2021 ficaria menos promissor e menos surpreendente. Economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV) já haviam feito exercício semelhante, buscando construir uma sequência sem as anomalias de 2020. Pelos seus cálculos, o PIB teria crescido 0,4% no primeiro trimestre de 2021.
Apesar desse cuidado, as projeções afinal publicadas pela FGV, pelo BC e por outras instituições continuaram baseadas nos critérios tradicionais. Mas a advertência foi feita, é relevante e convém levá-la a sério, moderando o entusiasmo diante de projeções construídas com as séries habituais. Pelo critério convencional, a atividade mensal calculada pelo BC caiu 1,6% em março deste ano e subiu 0,4% em abril. O outro critério mostra perda de 3,6% seguida de ganho de 0,6%.
As contas de governo continuam sendo, segundo o relatório, importante fator de incerteza, apesar do bom desempenho até abril. Mas esse resultado é em boa parte explicado por um ganho de receita resultante de fatores não recorrentes, como impostos derivados de operações empresariais atípicas e contenção de gastos por causa do atraso na aprovação do Orçamento. Essa contenção tende a ser contrabalançada no resto do ano. Ou mais que contrabalançada, poderiam acrescentar os autores do texto, se as despesas forem calibradas por objetivos eleitorais do presidente.
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