Por Fernando Dantas
O IPCA-15 de julho, com recuo de -0,07%, maior que a mediana das expectativas do Projeções Broadcast (-0,03%), trouxe informações relevantes para os membros do Copom que decidirão na semana que vem o rumo da Selic, a taxa básica de juros.
O IPCA-15 deste mês trouxe boas notícias qualitativas sobre a dinâmica da inflação brasileira. A média móvel trimestral dessazonalizada dos “serviços subjacentes” caiu de 6,9% para 6,1% (em termos anualizados) entre o IPCA-15 de junho e de julho.
Segundo Samuel Pessoa, economista-chefe da gestora JBFO, em São Paulo (os números acima foram calculados pela instituição), essa desinflação de serviços no Brasil ocorre num cenário de desemprego bastante baixo, o que é compatível com um “pouso suave”, isto é, a inflação convergir para as metas sem uma freada mais brusca da economia.
“Se isso ocorrer, é algo inédito na nossa experiência histórica, e será um sinal de muito sucesso do Banco Central”, diz o economista.
Esse possível sucesso do BC, entretanto, sendo o Brasil o país que é, pode ser um problema – ainda que um “bom problema” – para Roberto Campos Neto, presidente da instituição. Com Lula e seu governo no modo de “se a inflação cai é prova de que o juro não precisa ser tão alto, se não cai é prova de que o juro alto não funciona”, Campos Neto não tem muito para onde correr.
Para a reunião do Copom da semana que vem, já existe no mercado – inclusive pela comunicação do próprio BC – consenso de que a Selic, hoje em 13,75%, será reduzida. A possível disputa entre o governo e o BC, e no interior do próprio Copom, é se o corte inicial do ciclo de afrouxamento monetário será de 0,25 ou de 0,5 ponto porcentual (pp).
Fontes de mercado veem como provável, a partir do horizonte dos acontecimentos de hoje, que uma ala conservadora do comitê – formada por Fernanda Guardado, diretora de assuntos internacionais, Renato Gomes, diretor de organização do sistema financeiro e Diogo Guillen, diretor de política econômica – vá argumentar pela parcimônia e pelo corte de 0,25pp.
A ideia seria evitar que o mercado precifique uma trajetória agressiva de cortes da Selic, o que poderia fazer com que a convergência das expectativas inflacionárias para a meta de 3% se tornasse mais lenta.
Nessa visão, a fortíssima queda, ao longo de um ano, da inflação acumulada em 12 meses – das proximidades de 10% para perto de 3% – é muito puxada por alimentação e produtos industriais, cujos preços são fortemente influenciados por fatores alheios à política monetária.
Já a inflação dos serviços, o componente mais complicado e central dos processos inflacionários, apesar do notável recuo no IPCA-15 divulgado hoje, ainda estaria longe da zona de conforto para a autoridade monetária. A isso se soma o mercado de trabalho aquecido, intimamente ligado à inflação de serviços.
Essa corrente tem dúvida sobre o grau de “abertura do hiato do produto”, isto é, até que ponto o aperto monetário em curso criou ociosidade de fatores na economia (o que é desinflacionário).
No outro lado do cabo de guerra, espera-se que os dois novos membros do Copom, nomeados por Lula e já aprovados pelo Senado – Gabriel Galípolo, diretor de política monetária, e Ailton Santos, diretor de fiscalização -, defendam o corte de 0,5pp, a partir da preocupação com uma desaceleração excessiva da economia.
Nesse cenário, o voto de Campos Neto será mais decisivo do que nunca, pois provavelmente atrairá outros componentes do Copom e comporá a maioria vencedora.
Nas conversas desta coluna com o mercado, ainda pareceu prevalecer a ideia de que Campos Neto se alinhará ao grupo conservador, mas mesmo quem defende hoje essa aposta considera que há alguma chance de que o presidente do BC migre para o “time 0,25pp”. Na verdade, as percepções sobre a decisão do Copom da semana que vem estão longe de sedimentadas.
De qualquer forma, a indicação é de que é bastante provável que a decisão da próxima semana não seja unânime, com uma minoria dissidente. Não se descarta que, mesmo que Campos Neto se alinhe aos conservadores, algum outro membro do Copom (ou até mais de um), além dos novos diretores, se junte aos defensores de 0,25pp com base em convicção legítima. Nesse caso, evitaria se explicitar demais uma divisão entre os novos diretores e o resto do Copom, que poderia alimentar a narrativa de um conflito entre governistas e não governistas dentro do comitê.
Obviamente, se Campos Neto fechar com o grupo de 0,25pp, essa narrativa perde o gás, ao menos temporariamente. E ainda há alguma água para rolar mesmo em relação aos núcleos duros do Copom, percebidos pelo mercado, de preferência por 0,25pp ou 0,5pp.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)
https://www.estadao.com.br/economia/fernando-dantas/ipca-15-e-bc-um-bom-problema/
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