Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Com população seis vezes menor, o Brasil superou a China em número de mortos por covid-19. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país asiático registrou 4.643 óbitos desde o final do ano passado. Segundo dados divulgados nesta semana pelo Ministério da Saúde do Brasil, mais de 5 mil pessoas morreram no País em decorrência da infecção pelo novo coronavírus desde 17 de março. Em apenas 45 dias houve mais vítimas fatais da covid-19 no Brasil do que houve na China, local de origem da pandemia, em quatro meses. Decerto as informações oficiais que provêm do governo de Pequim devem ser recebidas com boa dose de ceticismo. A China tem muitos pontos fortes, mas transparência não é um deles. Igualmente notáveis são a subnotificação de casos no Brasil e a incorreção de milhares de registros de óbito em cartórios de todo o País. De todo modo, o marco oficial serve para suscitar reflexões sobre a reação brasileira à maior emergência sanitária deste século.
Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro alinhou-se a um punhado de líderes políticos que minimizaram sua gravidade. Emparedados pelos fatos, alguns desses líderes voltaram atrás. Bolsonaro, contudo, segue aferrado à ideia de imediata “volta à normalidade”, ainda que isso represente enorme risco para a saúde dos brasileiros e para a capacidade de atendimento do sistema público de saúde. O presidente da República deu novas mostras de alheamento, insensibilidade e falta de empatia ao comentar o aumento do número de mortos por covid-19 no País. “E daí? Quer que eu faça o quê?”, perguntou Bolsonaro a um grupo de repórteres. “Eu sou Messias, mas não faço milagre”, debochou.
A Nação jamais buscou se socorrer dos dotes milagrosos de seu presidente. Dele não se espera outra coisa além de assumir a responsabilidade que recai sobre seus ombros de chefe de Estado e de governo nesta hora grave. “Vocês (a imprensa) não vão botar no meu colo essa conta (de mortos)”, disse Bolsonaro. O presidente atribuiu aos governadores o ônus pelo aumento do número de mortes, acusação injusta, haja vista que são justamente governadores e prefeitos os mais ciosos observadores das recomendações das autoridades sanitárias. Em entrevista coletiva, o governador de São Paulo, João Doria, recomendou que Bolsonaro “saia do ‘gabinete do ódio’ e visite os hospitais do País e que tenha compaixão” pelas vítimas e seus familiares. Não é pedir muito.
A situação do País é preocupante, tendo em vista que ainda não se atingiu o pico de casos de covid-19. Só não é pior graças à estrutura de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), à dedicação inabalável dos profissionais da área da saúde das redes pública e privada, ao comportamento cívico e solidário de brasileiros que aderiram ao distanciamento social e se desdobram para encontrar formas de ajudar uns aos outros e, não menos importante, à ação responsável de governadores e prefeitos que compreenderam a dimensão do problema com o qual estão lidando e perceberam que estimular o isolamento é a única ação eficaz para evitar mais contaminações e mortes até que uma vacina contra o novo coronavírus esteja disponível.
Enfrentar a pandemia não é uma atribuição exclusiva do poder público. É crescente o número de pessoas nas ruas, como se um vírus mortal não estivesse em circulação. Não se trata, claro, dos encarregados de realizar serviços essenciais, que necessariamente não podem ficar em casa, mas daqueles que deixam o isolamento por incivilidade, egoísmo e autoconfiança irresponsável. Este grupo será tão responsável pelo colapso do sistema público de saúde – e pelo aumento de mortes – quanto qualquer autoridade desajuizada. Neste sentido, em nada ajuda a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de liberar testes rápidos para detecção de covid-19 em farmácias. A baixa confiabilidade destes testes pode estimular comportamentos de risco. À falta de adesão espontânea ao isolamento, não será surpresa se governadores e prefeitos tiverem de recorrer a medidas mais duras para salvar vidas. Os que podem, fiquem em casa.
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