03 de outubro, 2024

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Justiça Militar é só para crime militar

Por Notas & Informações

Ao autorizar um pedido de investigação feito pela Polícia Federal (PF), o ministro Alexandre de Moraes entendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) é competente para processar e julgar os crimes ocorridos no 8 de Janeiro, “independentemente de os investigados serem civis ou militares”. A decisão está correta.

A Justiça Militar tem competência restrita, processando e julgando apenas “os crimes militares definidos em lei” (art. 124 da Constituição). “Nenhuma das hipóteses definidoras da competência da Justiça Militar da União está presente nesta investigação”, disse Alexandre de Moraes. Reconhecer a competência da Justiça comum para processar e julgar eventuais crimes praticados por militares no 8 de Janeiro é, assim, manifestação de respeito ao princípio do juiz natural.

Ao aplicar a jurisprudência do STF no sentido de que a Justiça Militar julga “crimes militares”, e não “crimes de militares”, Alexandre de Moraes reafirmou o princípio fundamental da República: a igualdade de todos perante a lei. A existência da Justiça Militar não é privilégio para os membros das Forças Armadas, como se eles tivessem direito a um tribunal especial por sua condição de militares. “O Código Penal Militar não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas”, diz a jurisprudência do Supremo, mencionada na decisão.

Crimes comuns praticados por militares devem ser julgados pela Justiça comum, como ocorre com todos os outros cidadãos. Segundo a PF apurou, há indícios apontando “possível participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial”, nos atos do 8 de Janeiro. É preciso, portanto, investigar tais indícios.

Embora a decisão de Alexandre de Moraes seja correta e bem fundamentada, seria muito importante que o colegiado da Corte a referendasse. É preciso evitar, a todo o custo, a impressão de que o trabalho do Judiciário relacionado aos atos do 8 de Janeiro estaria baseado apenas nos entendimentos e posições de um único ministro. O STF tem o dever de preservar sua autoridade, o que inclui ratificar as medidas corretas e retificar as extravagantes ou excessivas. A garantia do duplo grau de jurisdição – o direito de submeter uma decisão judicial a reexame por outro órgão – deve valer sempre e de forma efetiva.

A autorização para que se investiguem militares envolvidos nos atos do 8 de Janeiro traz à tona outro caso em julgamento pelo STF que, apesar de ser uma situação diferente, também trata da competência da Justiça Militar. Nos últimos anos, o Congresso aprovou leis – em concreto, a Lei Complementar 136/2010 e a Lei 13.491/2017 – que ampliaram o conceito de crime militar, com o objetivo de incluir na alçada da Justiça Militar situações que originalmente eram de competência da Justiça comum; em concreto, crimes contra civis praticados por militares no exercício de atividades militares atípicas, como as operações GLOs, de garantia da lei e da ordem. Corretamente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou a constitucionalidade desses dispositivos, que distorcem o sentido do art. 124 da Constituição e ferem o princípio republicano da igualdade de todos perante a lei. Não há ainda data para o caso ser julgado pelo plenário do STF.

Por ocasião da tramitação no Congresso do texto que deu origem à Lei 13.491/2017, dissemos neste espaço: “Militares não deveriam realizar o trabalho que cabe apenas à polícia, salvo na vigilância das fronteiras. Mas já que, de quando em quando, são equiparados pela tarefa à polícia, que como ela respondam por seus atos na Justiça comum, a mesma dos demais cidadãos” (Os militares e a segurança pública, 01/8/2016).

Competência judicial é assunto delicado, que interfere no funcionamento de todo o sistema de Justiça e demanda, portanto, especial previsibilidade e estabilidade. Cabe ao STF dirimir rapidamente todas as dúvidas. Justiça Militar é só para crime militar, como estabelece a Constituição.

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