Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
Com o presidente Jair Bolsonaro em campanha para 2022, sem máscara e promovendo cloroquina e aglomerações, o foco vai para os órgãos de investigação do País. A bola da vez é o Ministério Público, depois do escanteio do Coaf, das tentativas de domar o leão da Receita e de investigações sobre interferência política na Polícia Federal. Pairando sobre isso, a suspeita de que o Ministério da Justiça ressuscita o SNI da ditadura.
O clima está animado, como se viu no bate-boca virtual entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o braço-direito do seu antecessor Rodrigo Janot, o subprocurador Nicolao Dino. A reunião era sobre orçamento, mas Dino subiu o tom contra Aras por seus ataques à Lava Jato. A defesa da Lava Jato virou uma lavação de roupa suja. Ao vivo!
A bem de Aras, diga-se que a guerra interna no Ministério Público vem de longe e teve momentos agudos na gestão polêmica e até hoje mal explicada de Rodrigo Janot, cuja marca é a delação premiada de Joesley e Wesley Batista. O resultado foi tenebroso para o País e espetacular para os irmãos da J&F, que, como nos filmes de mafiosos, acabaram com seus aviões, lanchas e apartamentos maravilhosos em Miami e Nova York.
Até hoje, três anos depois, a delação continua válida, nas mãos do relator no Supremo, Edson Fachin. O próprio Janot pediu a revisão, Raquel Dodge foi na mesma linha e aqui vai uma informação: Aras também articula com o STF o fim da delação e dos prêmios fantásticos para os Batistas. Pelas regras, eles perdem a mamata, mas as provas que entregaram continuam válidas.
Na guerra entre os grupos de Janot e de Aras, a mais grave no MPF desde 1988, incluem-se a pressa para estabelecer quarentena aos juízes candidatos (a “Lei Moro”) e o debate, que vai crescer nesta semana, sobre os acordos de leniência (delações premiadas são com pessoas, acordos de leniência, com empresas). O MP investiga, negocia, julga e fecha os acordos. E isso vai mudar. A intenção é juntar o “sistema U” nos acordos de leniência, ou seja: AGU, CGU, TCU e MPU. Sob o comando da AGU.
A crise no MP, porém, é apenas mais uma nos órgãos de investigação. Bolsonaro interveio no Coaf, quando o órgão de fiscalização financeira detectou as “movimentações atípicas” das contas de um tal de Fabrício Queiroz. Depois, o presidente foi flagrado intercedendo a favor de igrejas evangélicas multadas pela Receita. E, por último, ele é investigado pelo Supremo por acusações de intervenção política na PF.
Nesse enrosco todo, só faltava um ataque sistêmico à Lava Jato justamente quando o presidente deflagra sua campanha à reeleição em 2022, com a velha política e o velho Centrão. Às ovelhas do PSL, carinhos, fotos, lábia. Aos lobos do Centrão, cargos, favores e destaque nos palanques. O anfitrião de Bolsonaro no Piauí, aliás, foi o senador Ciro Nogueira (Centrão).
E o governo não descuida dos adversários. O Ministério da Justiça criou um novo SNI para produzir dossiês com perfis, ações, declarações e até fotos de pessoas da área de segurança e das universidades que ousem falar mal de Bolsonaro. Não é uma operação contra fascistas, mas contra antifascistas. Dá para entender? Até agora, já são 579 alvos. Amanhã, pode ser… você!
Assim, as manchetes mudaram, com Bolsonaro deixando o presidente de lado e assumindo o candidato, mas a vida continua: o presidente empurra as políticas (e as culpas) da economia, saúde, meio ambiente, educação e cultura para seus ministros, enquanto protege aliados e “ficha” adversários. O Supremo entra no foco engalfinhando-se com redes de golpistas e de fake news e o Ministério Público racha pela Lava Jato. Calma na superfície, ebulição nas profundezas.
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