Por Notas & Informações
Ainda não terminou o mês de novembro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já conta com vários apoios para sua permanência no cargo no próximo biênio, que será decidida apenas em fevereiro de 2023. Ontem, PT e PSB anunciaram apoio a mais um mandato do deputado alagoano na presidência da Casa. Essa inédita antecipação dos tempos diz muito sobre a atual dinâmica entre os Poderes, resultado direto de quatro anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República. Nunca o presidente da Câmara teve tanta ascendência sobre os trabalhos da Casa e sobre outras esferas de poder como tem agora.
Talvez Arthur Lira atribua essa situação de proeminência da presidência da Câmara à sua inegável capacidade de articulação. No entanto, é certo que, no cargo que hoje ocupa, passaram outros muitos políticos habilíssimos na arte da negociação. A situação atual é, sobretudo, consequência de um Poder Executivo omisso e sem propostas, cuja prioridade foi apenas e tão somente tentar perpetuar-se no poder.
Em grandes linhas, pode-se dizer que o status atual de Arthur Lira é fruto do orçamento secreto. Nunca antes o Poder Legislativo dispôs de tanta autonomia para interferir na execução dos recursos do Executivo como dispõe agora por meio de diversas emendas, entre elas as de relator. E o orçamento secreto é resultado direto de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto: um presidente da República que, para evitar a abertura de um processo de impeachment – risco causado por suas ações e omissões caprichosamente alinhadas com os crimes de responsabilidade tipificados na lei –, abdicou de governar, cedendo largamente a gestão do Orçamento às lideranças do Congresso.
Com frequência, o bolsonarismo critica um suposto desequilíbrio entre os Poderes, no qual o Judiciário – em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF) – exerceria um poder excessivo, prevalecendo sobre os demais. O interessante é que, se existe hoje algum desequilíbrio em relação à configuração institucional prevista na Constituição de 1988, ele ocorre precisamente na relação entre Executivo e Legislativo, com lideranças do Congresso dispondo de um poder desproporcional sobre as ações legislativas e as do governo federal. No entanto, o bolsonarismo nada diz sobre esse desequilíbrio, em uma peculiar cumplicidade.
Historicamente, os Parlamentos sempre contaram com a possibilidade de administrar a execução de alguns recursos públicos, definindo sua destinação específica. As emendas parlamentares são prática corrente em muitos países. No entanto, no Brasil o assunto saiu inteiramente dos trilhos constitucionais com as emendas de relator, o orçamento secreto. Lideranças do Congresso passaram a gerenciar diretamente, de forma discricionária, sem controle e sem transparência, a execução de parte cada vez maior do Orçamento da União.
Além de ser o exato oposto do que se entende por gestão republicana dos recursos públicos – transparente, controlável e baseada em critérios técnicos –, o orçamento secreto deu um poder desproporcional às lideranças do Congresso, o que gera danos sobre a própria representatividade do Legislativo. Não faz nenhum sentido que um único deputado federal disponha de tanto poder sobre o Congresso, órgão coletivo por essência. Tal é o poder que, para ter alguma expectativa de governabilidade, o governo eleito viu ser necessário declarar apoio, com enorme antecedência, a um novo mandato do atual presidente da Câmara.
Fica patente, assim, que os males causados por Jair Bolsonaro não se encerram no dia 31 de dezembro deste ano. A ter em conta os apoios precoces recebidos por Arthur Lira, a próxima legislatura estreará em fevereiro de 2023 já marcada e distorcida pelo desgoverno bolsonarista.
Essa precipitação dos tempos afeta a própria democracia. Nas eleições de outubro, a população elegeu um novo Congresso. No entanto, ao que tudo indica, a nova legislatura nascerá moldada pela anterior, que desde já consegue impor o mesmo presidente da Câmara. Nega-se, assim, ao eleitor o direito de mudar alguma coisa.
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