Por Notas & Informações
Em 2003, ao assumir pela primeira vez a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva precisou ser pragmático na condução do governo, afastando e ignorando velhas bandeiras da esquerda. A atitude realista de Lula – que se manifestou em várias áreas, especialmente na política econômica – foi fundamental para os resultados obtidos em seu primeiro mandato. Sem responsabilidade fiscal e sem a reforma da Previdência de 2003 articulada pelo governo do PT – para citar apenas dois tópicos –, o desempenho do primeiro governo Lula teria sido inteiramente diferente.
Agora, 20 anos depois, é de reconhecer que o País a ser governado por Lula está ainda mais incompatível com os dogmas e práticas de uma esquerda jurássica: inchaço da máquina pública, desleixo com a inflação, economia moldada pela estatização, hostilidade à atividade empresarial, especialmente ao agronegócio, submissão a um sindicalismo atrasado e ao corporativismo de setores do funcionalismo público. Se, em 2003, o Brasil não tinha nada a ganhar com essa compreensão asfixiante de sociedade e de Estado, agora é que precisa dela menos ainda.
Ao voltar ao Palácio do Planalto 20 anos depois da posse de seu primeiro mandato, Lula encontrará um país diferente. Certamente, há muitos desafios que permanecem: a pobreza e a miséria, as desigualdades sociais, a baixa qualidade da oferta educativa para tantas crianças e jovens, o racismo em suas diversas modalidades e expressões, problemas de infraestrutura, limitações da rede pública de saúde, entraves ao crescimento econômico, entre outros pontos. Muita coisa foi feita nessas duas décadas, houve avanços significativos em algumas áreas, mas também se observam retrocessos, como a volta da fome, e problemas que ainda estão longe de ser resolvidos satisfatoriamente, como a falta de saneamento básico para muitas famílias.
De toda forma, o Brasil de 2023 é muito diferente daquele de 2003. Basta pensar, por exemplo, no atual agronegócio e em sua relevância para a economia brasileira. O desenvolvimento econômico do campo produziu mudanças sociais importantes: novas situações de vida, novas dinâmicas sociais, novas demandas políticas. Até agora, a esquerda mostrou-se alheia a tudo isso, como se o campo não fizesse parte de seu horizonte – como se fosse outro país.
A grande questão é que, na Presidência da República, Lula não pode ignorar essa nova realidade social e econômica. E aqui a defasagem é gritante. Ao longo dessas duas décadas, a esquerda não mudou sua visão sobre o campo, não tendo produzido nenhuma proposta séria de política pública para o setor. O movimento parecia justamente o oposto. Além de não ter afinidade política com o agronegócio, o PT tratou muitas vezes com desdém e hostilidade quem empreende no campo.
O anacronismo de parte da esquerda também é patente no que se refere às relações trabalhistas. Durante a campanha eleitoral, em vez de apresentar uma proposta minimamente articulada sobre o mundo contemporâneo do trabalho, esquerdistas pareciam estar pregando para funcionários sindicalizados dos anos 60 do século passado. Em vez de apresentar soluções para as questões reais que afligem o trabalhador brasileiro, o PT falava em revogar a reforma trabalhista de 2017, aquela que, entre outros avanços, extinguiu o imposto sindical.
Mesmo nas áreas em que continua havendo grandes deficiências, como educação e saúde, os desafios agora são em boa medida diferentes dos de duas décadas atrás. A população mudou, envelheceu. Não há nenhum tempo a perder. A educação das novas gerações é ainda mais decisiva. Novas políticas públicas foram implementadas, e mais do que nunca é preciso aproveitar o que deu certo.
Verifica-se também outro panorama internacional. A visão geopolítica da guerra fria, tão cara à esquerda, está ainda mais ultrapassada, ainda mais distante dos interesses nacionais.
Se Lula quer governar para o Brasil real, seu terceiro mandato precisará ser ainda mais pragmático. Não é uma questão de implicância com a esquerda. Parte dela simplesmente parou no tempo.
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